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Magno Karl e Mano Ferreira

A PEC da Transição é necessária para ajustar o Orçamento? NÃO

Responsabilidade fiscal não é abstração dos mercados para agradar banqueiros

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Magno Karl e Mano Ferreira

Respectivamente, cientista político e jornalista; ambos são diretores do Livres

O governo Lula 3 quer começar com um furo no teto de gastos. Mais um. Em tese, para garantir o novo Bolsa Família de R$ 600, com adicionais por crianças de até seis anos. Combater a fome e gerar oportunidades na primeira infância são prioridades inquestionáveis. Só que boas intenções não bastam.

Políticas públicas precisam ser avaliadas por seus efeitos. Neste sentido, a PEC da Transição é remédio equivocado para a doença certa.

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cumprimenta com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Pedro Ladeira - 11.set.22/Folhapress

Para combater a pobreza, a estabilidade de preços é premissa necessária. Em apenas dois anos, o custo do auxílio saltou de R$ 32 bilhões para R$ 106 bilhões, podendo chegar a R$ 160 bilhões. Ainda assim, a fome está de volta. Nenhum gasto social será suficiente enquanto o dinheiro derreter no carrinho da feira.

Garantir o auxílio de R$ 600 sem responsabilidade fiscal é dar com uma mão e tirar com a outra. Sem uma âncora fiscal crível, abrir outro furo no teto pode ser o caminho político mais fácil, porque agrada os beneficiários do orçamento secreto. Mas é o caminho social mais preocupante, porque encarece a comida de quem tem fome.

Responsabilidade fiscal não é uma abstração dos mercados para agradar banqueiros, mas uma necessidade dos famintos. Para alegria dos rentistas, a irresponsabilidade aumenta os juros; para a tristeza das barrigas que roncam, alimenta a inflação, que rouba o poder de compra dos mais pobres.

Ampliar despesas como primeira medida de governo é decidir acomodar gastos escandalosos, como o orçamento secreto e os subsídios injustificáveis. Ninguém dirá que a alternativa é fácil. Cortar gastos é sempre um grande desafio. Não enfrentá-los de partida, quando há mais capital político, sepulta esperanças de encará-los com o inevitável desgaste do tempo. Seria queimar a largada com um cartão de visitas de irresponsabilidade.

Governos não começam no vácuo, como página em branco. É preciso gerir as heranças. Temos dificuldade crônica de fazer o Estado caber no bolso do cidadão. Somos a terra dos "jabutis", onde boas intenções disfarçam privilégios perpétuos. Como resultado, nossa história é marcada por inflação, instabilidade e captura do Orçamento por grupos de interesse.

Em boa parte do mundo, a necessidade de ajuste fiscal leva a cortes imediatos. No Brasil, dada a resistência de encarar o conflito distributivo, somos mais modestos. Prometemos ajustes de longo prazo.

Era o caso do teto de gastos, uma âncora de expectativas baseada no compromisso de que, dentro de 20 anos, teríamos o crescimento das despesas sob controle.

Esse tipo de ajuste suave, de longo prazo, demanda credibilidade. Com mudanças anuais nas regras, o governo Jair Bolsonaro (PL) já desabou o teto. Os gastos postergados para 2023, como os precatórios, dificultam a equação e exigem ainda mais cautela para indicar um rumo sustentável. A ironia é que a incompetência do governo Bolsonaro facilita a solução. Melhorar a focalização do benefício já renderia enormes ganhos de eficiência. Revisar programas ineficientes também é fundamental, como propõe a Lei de Responsabilidade Social.

Combater a miséria com efetividade exige coragem. A complacência com grupos de interesses estoura as contas, promove inflação e assalta o poder de compra do trabalhador. Ter responsabilidade social é lutar contra as ineficiências que sequestram o Orçamento público.

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