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Rose Marie Santini

As fake news foram determinantes nestas eleições? SIM

Estratégias de manipulação eleitoral se tornaram mais ágeis e sofisticadas

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Rose Marie Santini

Doutora em ciência da informação (UFRJ), é professora da Escola de Comunicação da UFRJ e diretora do NetLab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais)

Nas eleições de 2022, as campanhas de desinformação apresentaram volume, alcance e complexidade sem precedentes. Alegações de que vivemos uma guerra religiosa, que o sistema eleitoral está sendo fraudado ou que há motivos para pânico moral coletivo são algumas das narrativas de desinformação que dominaram o debate —em detrimento de discussões mais relevantes, focadas em realidades objetivas, como os planos de governo dos candidatos ou seus desempenhos em mandatos anteriores.

Por um lado, as narrativas de 2022 parecem continuar e aprofundar aquelas que já emergiam em 2018 ao investirem nas pautas de costumes e nas teorias de conspiração sobre o comunismo. Por outro, concentraram-se na disputa pelo voto evangélico, em fabricar uma realidade em que cristãos são uma minoria perseguida no Brasil e, por isso, precisam empreender uma espécie de guerra santa. Trata-se de uma novidade fabricada artificialmente pela desinformação num país marcado, até então, pelo sincretismo religioso.

Foto mostra urna eletrônica, tema constante de fake news, em teste em Porto Alegre - Evandro Leal/Agência O Globo/Folhapress

O Brasil é também internacionalmente reconhecido pela agilidade, transparência e lisura na contagem de votos. Novamente, a infraestrutura de desinformação liderada pela extrema direita traz um novo elemento ao buscar desmantelar esse legado com questionamentos sobre a integridade eleitoral.

As estratégias de manipulação também mudaram. As campanhas de desinformação neste ano se caracterizaram pelo emprego de técnicas de comunicação computacional e orquestração multiplataforma. Publicou-se nas redes sociais conteúdo rápido, contínuo, repetitivo e coordenado com anúncios pagos, que testam narrativas hipersegmentadas desenhadas para atingir públicos-alvo específicos.

Hoje o sucesso de uma campanha de desinformação depende da montagem prévia de uma infraestrutura de comunicação online para garantir o fluxo das mensagens ao longo do tempo. O que temos, assim, é uma campanha permanente alimentada por um vasto cardápio de sites de "junk news"; influenciadores pequenos, médios e grandes no Instagram, YouTube, TikTok e Kwai; grupos públicos e privados de WhatsApp e Telegram; grupos de Facebook; anúncios permanentes em todas as plataformas; rádios; televisões; e o fundamental compartilhamento pelos usuários do conteúdo dentro desse ecossistema.

Uma das funções do ecossistema é gerar a repetição de narrativas por diferentes fontes, o que é essencial para tornar o público receptivo às narrativas de desinformação. Evidências indicam que a repetição torna os indivíduos mais vulneráveis às mentiras, ao mesmo tempo em que aumenta a resistência das pessoas à checagem dos fatos.

O teste de narrativas é também fundamental para aumentar a receptividade da desinformação em diferentes segmentos da sociedade. Usando técnicas de marketing e segmentação de públicos, as campanhas de desinformação atingem as pessoas onde elas são mais vulneráveis —ou seja, no coração do sistema de valores.

A exposição seletiva e repetitiva dos usuários a conteúdos falsos reforça crenças e interesses pessoais prévios com um "efeito ilusório da verdade". Esse efeito é amplificado pela arquitetura das plataformas digitais e seus algoritmos de recomendação, que vão criando bolhas informacionais. E os mais vulneráveis são as pessoas que se informam nas plataformas, sobretudo WhatsApp e Telegram.

Esse fenômeno produz desconfiança nos meios de comunicação tradicionais, tornando a população cada vez mais polarizada e disposta a aderir a realidades paralelas. Ou pior: faz com que as pessoas passem a duvidar de tudo e não tenham mais referência sobre o que é uma fonte confiável e legítima.

Para funcionar, o processo democrático depende essencialmente de informação confiável e acessível. Em um cenário de disseminação generalizada e em larga escala de desinformação, mentiras, notícias falsas e conteúdo manipulado, a democracia torna-se fragilizada. É este o caso das eleições de 2022.

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