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Patrícia Villela Marino

O atual benefício da progressão de pena deve ser revisto? NÃO

Populismo e reforço às facções; seria golpe de morte na política de segurança baseada em evidências

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Patrícia Villela Marino

Advogada, é presidente do Instituto Humanitas360 e integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça

O Brasil tem uma triste tradição de homens públicos que, incapazes de apresentar soluções adequadas para os problemas que deveriam sanar, recorrem a fórmulas simples e saídas fáceis. A estratégia é utilizada por administradores que preferem trocar os fatos, os dados e a ciência pelos "talking points" da moda no populismo penal.

Este parece ser o caso de alguns governadores que pretendem transformar o palco do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) —encontro que poderia servir para a discussão informada dos inúmeros desafios das regiões— em algo como um programa policial sensacionalista.

Foto mostra superlotação em cela do CDP de Limeira
Cela superlotada no Centro de Detenção Provisória de Limeira, em São Paulo - Divulgação/Defensoria Pública de SP

Isso porque, na pauta do evento, está a ideia de restringir a progressão de pena de pessoas condenadas no Brasil. Para os defensores da proposta, o regime fechado deve ser privilegiado, colocando a progressividade de regime durante o cumprimento de pena como grande vilã da segurança pública.

O raciocínio só tem sentido para quem desconhece o sistema penitenciário brasileiro. Segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a população carcerária no país ultrapassou a marca de 830 mil presos. De 2000 a 2022, o crescimento registrado é de 257%. Resta perguntar: estamos nos sentindo mais seguros?

No Brasil, prende-se muito e prende-se mal. A aposta de lotar as prisões com centenas de milhares de pessoas, na maioria homens jovens e negros —e um número cada vez maior de mulheres, que quadruplicou em 20 anos, segundo a World Female Imprisonment List—, fracassou.

Já no seu primeiro artigo, a Lei de Execução Penal (LEP) brasileira enfatiza a necessidade de "proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado". E existe uma boa razão para isso. O cumprimento de pena não é o fim da vida da pessoa presa, mas uma circunstância transitória. Por essa razão, essas pessoas devem ser preparadas para deixar o cárcere.

Conservar ou reatar os laços familiares, frequentar cursos supletivos ou de ensino superior e capacitar-se profissionalmente são mecanismos de reinserção social previstos na LEP. Na transição do cárcere à liberdade, essas atividades permitem a reconstrução da vida com autonomia e o retorno ao convívio social.

Dentro da lógica da progressão de pena, esse retorno é realizado de forma gradual e condicionada. Saídas temporárias, por exemplo, só são permitidas a partir do regime semiaberto e dependem de fatores como o bom comportamento do preso.

Sem a alternativa de reintegrar-se à sociedade através de laços familiares, pedagógicos e profissionais, ao preso restará a revolta do regime fechado. Quem ganha com isso são as facções criminosas, que utilizam o sentimento e a ausência de horizonte para arregimentar novos membros, transformando os presídios em escolas do crime.

No Brasil não existe pena perpétua, mas os obstáculos para a reinserção social são tantos que podemos falar numa perpetuidade da pena, que continua a pairar sobre o destino dessas pessoas mesmo em liberdade. Essa nova proposta só agravaria o quadro.

É preciso que a sociedade tenha clareza sobre o que está em jogo nesse debate. Por trás das soluções fáceis, ora propagadas, esconde-se o acirramento de um problema que já conhecemos, que piora a cada dia e que atende pelo nome de encarceramento em massa.

Estamos falando, sim, que as pessoas presas devem ter o direito à cidadania, ao trabalho, à educação e a uma segunda chance. Mas o cerco à progressão de pena não é apenas um ataque aos direitos humanos. É um golpe de morte na política de segurança baseada em evidências, perpetrado por políticos dispostos a vestir o pior figurino do populismo penal para permanecer em evidência. A que custo?

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