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Mario Rogério Silva

Um recorte necessário

Avanços no emprego precisam contemplar a população negra, principalmente as mulheres

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Mario Rogério Silva

Mestre em ciências sociais (PUC-SP), é diretor do Censo de Diversidade do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades)

A notícia de que a taxa de desocupação do país caiu no segundo trimestre deste ano —de 11,1%, registrado entre janeiro e março, para 9,3%, no período de abril a junho, segundo o IBGE— foi rapidamente compartilhada como um fato positivo. Sem dúvida, essa taxa ser ainda menor em relação ao segundo trimestre de 2021 é algo digno de comemoração.

Observar as estatísticas de uma forma neutra, sem o recorte racial e de sexo, só abre caminhos para camuflar as desigualdades no Brasil, pois os negros, principalmente as mulheres, sofrem maior impacto com o desemprego e, por consequência, com a fome e a insegurança alimentar.

No segundo trimestre deste ano, enquanto as mulheres registravam uma taxa de desocupação de 11,6%, o índice para os homens era de 7,5%. Se na população negra (pretos e pardos), a taxa de desocupação chegou a 10,9%, para as pessoas brancas o percentual se reduz a 7,3%. Considerando apenas a população de cor preta, a taxa é ainda maior —11,3%.

Também é importante atentar para a intersecção entre sexo e cor/raça para analisar a perspectiva das vagas de emprego preenchidas no período. As mulheres negras apresentam uma taxa de desocupação de 13,9% frente os 6% dos homens brancos no segundo trimestre.

Outro recorte necessário estaria no perfil das vagas criadas. Na comparação entre o segundo trimestre de 2022 e o de 2021, a parcela da população sem carteira assinada aumentou neste ano, chegando a 26,7% —ante 24,8% do total de assalariados do setor privado no ano passado. Observa-se ainda que, em 2022, 30,3% das pessoas negras assalariadas não possuem carteira assinada, enquanto que para as pessoas brancas esse percentual é de 22,3%

.

O segundo grupo com maior crescimento relativo no período foi o dos trabalhadores domésticos, passando a representar 6% de todos os ocupados do país no segundo trimestre. Em adição, destaca-se que esse crescimento foi maior entre as pessoas negras (7,3%) se comparada às brancas (4,3%).

O aprofundamento da precariedade é refletido nos rendimentos. No período que vai do segundo trimestre de 2021 até o segundo de 2022, a renda média real do total de ocupados do país no trabalho principal apresentou queda de 4,6%, isto é, de R$ 2.717 para R$ 2.593.

Chama atenção que, enquanto pessoas brancas registram aumento na renda nos dois últimos trimestres, os negros voltaram a apresentar redução. Com isso, pessoas brancas apresentam, no trimestre mais recente, renda média 67,9% superior à das pessoas negras —R$ 3.328 versus R$ 1.982. Na comparação entre mulheres negras e homens brancos, a distância é ainda mais expressiva, correspondendo a 117% (R$ 3.747, ante R$ 1.727).

Nesse sentido, é urgente priorizar a contratação de negros, principalmente mulheres negras, com foco em programas de aceleração de inclusão deste grupo, que está ausente das empresas, em especial dos cargos de liderança e de funções que pagam os melhores salários.

Precisamos avançar para uma sociedade mais justa, que valorize a diversidade, pois só com instituições mais equânimes iremos inspirar e fortalecer uma sociedade mais democrática.

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