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Darlene Dalto

Nós, brancos, também precisamos falar sobre racismo

Impossível não comparar: vivemos realidades vergonhosamente desiguais

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Darlene Dalto

Jornalista, é autora dos livros “Processo de Criação” (ed. Marco Zero) e “Mulheres Negras Importam”

Tornei-me antirracista recentemente. Branca aliada. E ativista. Comecei tarde a me interessar pelo assunto, exatamente em 25 de maio de 2020, início da pandemia e data da morte do americano George Floyd. Quem não se lembra do impacto que o crime causou no mundo, dos protestos, dos quadrados pretos e da #blacklivesmatter que invadiram o Instagram?

Parei para pensar. Eram todos antirracistas mesmo? Ou apenas oportunistas? E as mortes negras que acontecem aqui diariamente? Por que não havia protestos? O que eu sabia sobre racismo? O que os brancos realmente sabem sobre ser negro no Brasil? Quis entender como é ter a pele preta e os cabelos crespos neste país, o que passam, que dores sentem, como reagem, que estratégias usam para se proteger, como resistem, o que pensam... E decidi escrever o livro "Mulheres Negras Importam". Puro letramento racial.

São Paulo, SP, BRASIL, 25-07-2022: Com concentração na praça da República, em São Paulo, a Marcha das Mulheres Negras denuncia as violências pelas condições de gênero e raça no Brasil - Bruno Santos - 25.jul.22/Folhapress

Entrevistei 12 mulheres negras extraordinárias de diversas idades, regiões e profissões que, embora tenham nascido no Brasil, havia visto perfeitamente descritas nos textos do dramaturgo americano August Wilson —mulheres que são desrespeitadas, desqualificadas, invisibilizadas e precisam lutar para ser reconhecidas como indivíduos. Apesar de tudo e de tanto, elas resistem. Conquistaram vitórias igualmente extraordinárias. Mulheres comuns, são verdadeiras heroínas. Será que eu resistiria? E você?

Com elas, aprendi uma vida. De um modo geral, mulheres negras não nascem negras, se descobrem negras normalmente na escola, de maneira violenta. Muitas alisam os cabelos ainda criança com produtos químicos perigosos para evitar bullying. Têm baixa autoestima. Não gostam da sua imagem.

Sofrem com a solidão. Elas têm medo de sair de casa porque sabem que o racismo vai se manifestar, apenas não sabem quando ou onde. Não se sentem confortáveis em ambientes de classe média e alta porque são observadas. Seguranças de shopping centers, lojas e supermercados costumam segui-las com os olhos ou acintosamente. Muitas são impelidas por mães ou avós a se casar com homens brancos, "homens de qualidade", para melhorar o sangue da família e ascender socialmente. Outras desistem de ter filhos para que não sofram. Elas embranquecem quando começam a ganhar dinheiro.

Sônia Guimarães, professora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, é uma das colaboradoras de 'Mulheres Negras Importam' - Greg Salibian/Folhapress

Esses são apenas alguns aspectos do seu dia a dia. Impossível não fazer comparações. Vivemos realidades vergonhosamente desiguais. A pele negra sempre chega antes e define o caráter e a capacidade de quem a exibe, quando não o torna alvo.

Que fique bem claro: o racismo foi criado por homens brancos, não por negros, que são vítimas. Por isso, precisamos fazer parte da solução. Este país foi construído por mãos negras, antes e depois da abolição.

Passou da hora de encararmos o racismo, nossa mais urgente questão social. Brancos e negros, juntos.

Passou da hora de se pensar em políticas públicas para a população negra, já que aparentemente ela jamais receberá a reparação histórica que merece.

Enquanto não houver uma sociedade mais justa, com oportunidades efetivamente iguais, perdemos todos. Os negros perdem mais. Basta!

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