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Atila Roque

A dose que falta de coragem

Detentores de riqueza nesse Brasil de pobreza abismal têm que fazer a sua parte

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Atila Roque

Historiador, cientista político e diretor da Fundação Ford no Brasil.

Em discurso proferido durante a cerimônia de diplomação no Supremo Tribunal Eleitoral, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, destacou a coragem das instituições e dos atores sociais em defesa da democracia. Não foi mesmo pouca coisa para nossa jovem democracia resistir aos ataques violentos e incessantes a que foi submetido o estado de direito durante os últimos quatro anos.

Não sendo um fenômeno exclusivo do Brasil, a onda autoritária que nos acometeu encontrou nos fatores estruturais de nossas desigualdades o substrato fundamental para o seu fortalecimento: o racismo, a discriminação de gênero e o estímulo permanente ao genocídio de indígenas e negros. Vale, portanto, refletir sobre o papel que nos cabe, como sociedade, na semeadura dos afetos que nos mobilizam.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva participa do Natal dos Catadores, organizado pela Associação Nacional dos Catadores, em São Paulo - Danilo Verpa - 14.dez.22/Folhapress

A coragem a que se referiu o presidente Lula não se encontra na mesma medida em todos os setores sociais. Está presente, com certeza, na resiliência das populações majoritariamente negras das periferias, na luta dos povos indígenas e das mulheres, mas ausente no apego aos privilégios da maior parte daqueles que compõem o 1% da população que concentra a metade (49,6%) da riqueza do país.

Uma das consequências mais dilacerante das desigualdades é a derrocada da esperança. Estamos diante de uma geração de jovens que, perante a tragédia da fome e da pobreza, viram-se obrigados a abandonar qualquer sonho de futuro. Neste ano, por exemplo, vimos uma redução de 60% dos inscritos no Enem em relação a 2016. A precariedade do agora virou destino.

Dizer que educação, saúde e renda são prioridades é necessário, mas não o suficiente. A pergunta de resposta mais difícil é como colocar a economia para girar a favor da igualdade, da garantia de direitos fundamentais, da indução de um projeto de desenvolvimento que tenha como objetivo central a redistribuição sustentável de recursos, historicamente concentrados nas mãos de poucos. É o mínimo que se espera de um país com o patamar de exclusão social do Brasil.

A responsabilidade do Estado é grande, mas não exclusiva. O setor privado e os detentores de riqueza nesse Brasil de pobreza abismal têm que fazer a sua parte. Precisam ter a mesma coragem dos que saem todos os dias em busca de trabalho ou estudo, sem a certeza de que, em um futuro palpável, serão capazes de sonhar com uma vida sem pobreza nem violência. O mundo corporativo no Brasil, salvo as raras exceções, faz muito pouco pela redução das desigualdades. É preciso coragem para romper o ciclo da exclusão social. O Brasil precisa ser capaz de sonhar com outros futuros para seus filhos e filhas.

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