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Juca Ferreira e Cacá Machado

A música no centro da roda

Nossa excelência maior nas artes pede a criação de fundo próprio para gestão

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Juca Ferreira

Sociólogo e coordenador dos Seminários Cultura e Democracia, foi ministro da Cultura (2008-10 e 2015-16, governos Lula e Dilma) e secretário municipal de Cultura de São Paulo e Belo Horizonte

Cacá Machado

Historiador e compositor, é professor da Unicamp e ex-diretor da Funarte (Fundação Nacional de Artes)

Há um reconhecimento mundial de que o Brasil é excelência em duas artes: a música e o futebol. Desde a primeira metade do século passado, a música brasileira está nas paradas de sucesso de muitos países no mundo, do Ocidente ao Oriente.

Sabemos a força agregadora que a música brasileira tem dentro e fora do país. O que nem sempre fica claro é que essa força se ancora na diversidade: de Villa-Lobos, passando por Egberto Gismonti, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Jobim, até Mano Brown, a música brasileira cobre todo o universo da experiencia social e do imaginário brasileiro.

Nossa música se constituiu ao longo do tempo como um artesanato finamente tramado em constante fricção e reciprocidade com o comércio. A música popular urbana e contemporânea nasceu, por exemplo, no início do século 20 junto com a indústria fonográfica. E dessa relação surgiu um modelo de criação, produção e negócio, verticalizado e exclusivista que, recentemente, com a revolução da cultura digital do século 21, ganhou novas configurações.

A música brasileira esteve entre os primeiros segmentos a repercutir, com sua dose natural de ruído, o eco dessas mudanças. Também foi pioneira em perceber o som e o sentido dessas transformações e suas consequências econômicas, mas também estéticas e políticas. Não mudaram apenas as condições de produção e troca. Mudou a própria música, que agora está reunida em torno de uma complexa, mas indispensável e mais do que nunca possível, agenda comum.

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) significa a retomada desse percurso. De 2016 para cá, o que vimos foi uma tentativa de desqualificação e desconstrução da nossa cultura como lastro simbólico, cidadão e econômico do país. Agora, vivemos um novo ciclo de responsabilidades. E se já existiu uma política cultural contemporânea no Brasil é porque o Estado brasileiro assumiu seu papel essencial, debatendo e executando políticas em cooperação com a sociedade.

Há uma década, entidades como Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafim), Associação Brasileira dos Editores (Abem), Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP) e Federação das Cooperativas de Música, entre outras, foram signatárias de uma carta para uma "agenda de políticas públicas para 2010".

Esse documento serviu de base para a construção da "Política Brasileira de Música" (2016), implementada pelo Ministério da Cultura antes do impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). Nesses dois documentos, resumidamente, o diagnóstico e as diretrizes são claros:

1 - Modernização da lei de direitos autorais —isso significa propor uma regulamentação justa para arrecadação dos serviços de streaming dos meios digitais;

2 - Estabelecimento de um novo marco regulatório trabalhista e desoneração da carga tributária para o setor criativo e produtivo;

3 - Estimulo à circulação e ao fortalecimento das redes de festivais e casas de shows;

4 - Garantia de execução da diversidade da música brasileira nos meios de comunicação e o fortalecimento das redes de emissoras públicas, comunitárias e livres;

5 - Fomento às ações de internacionalização.

Segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), o Brasil tem hoje o 11º maior mercado fonográfico do mundo, atingindo R$ 2,1 bilhões de faturamento em 2021, o que representa quase o dobro do valor na comparação com 2018 —e um crescimento de 32% em relação ao ano anterior.

Considerando a importância econômica do setor e o papel cultural estratégico que a música cumpre para o país, é natural que surja com força redobrada para este novo governo uma antiga demanda: a criação de uma agência e fundo próprio para gestão da música brasileira. Nada mais justo para aquele que é o nosso produto mais bem acabado e liga afetiva de memórias e desejos futuros.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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