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Nei Lopes

Não precisa ver no VAR

Observamos na seleção do Brasil a diminuição de jogadores com pele mais pigmentada

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Nei Lopes

Bacharel em direito e ciências sociais pela UFRJ, doutor honoris causa pela UFRRJ e pela UFRGS, autor de 40 livros, compositor e vencedor do Prêmio Jabuti 2016

No Brasil, a discutida presença de jogadores negros em campeonatos oficiais de futebol vem do tempo do amadorismo. Com a instituição gradual do futebol profissional, em 1933, pretos e pardos passaram a ser admitidos nos grandes clubes, mas ainda dentro de uma hierarquização que distinguia os atletas (sócios dos clubes) dos jogadores (empregados). Profissionalizado de verdade, o jogo enfim tornou-se um dos mais significativos canais de mobilidade social dos negros, com o Brasil revelando o talento de ótimos jogadores afrodescendentes.

Em 1999, na Copa das Confederações, o país apresentou, pela primeira vez, uma seleção integrada exclusivamente por jogadores pretos e pardos, num momento em que já se observava a importante presença em clubes europeus de negros geralmente originários de países antes colonizados pelas grandes potências. Daí, nesta década de 2020, começar-se a discutir por aqui a ausência de negros entre dirigentes e treinadores e a rarefação deles entre os árbitros.

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O jogador Vini Jr. durante a partida entre Brasil e Coreia do Sul, válida pelas oitavas de final da Copa do Mundo do Qatar 2022, realizada no estádio 974, em Doha - Gabriela Biló/Folhapress

Agora, na Copa do Qatar, chama atenção a participação de grandes craques de origem africana em equipes europeias. Visto antes apenas como consequência de migrações motivadas pela libertação da maioria dos povos africanos do jugo colonialista, desde os anos 1960, agora o enegrecimento de equipes como as de França, Holanda e Inglaterra é explicado por diversas razões e teorias, às vezes discutíveis. E no centro dessa grande área colocam-se jogadores de ascendência africana nascidos na Europa, como Mbappé e Dembélé.

No sentido inverso, observamos na seleção do Brasil, país campeão mundial do escravismo, a gradativa diminuição de jogadores com pele mais pigmentada, como a de Vini Júnior, por exemplo. A causa poderia estar na política de branqueamento da população nacional adotada pelo estado brasileiro na Primeira República. Mas essa, apesar de ter embranquecido o pensamento da maior parte da sociedade, não impediu que o povo afrobrasileiro se tornasse numericamente majoritário, como hoje é.

Daí me vem à lembrança a indagação de um vizinho de origem étnica e idade semelhantes à minha, dias atrás: "Nunca mais eu vi aqueles ‘preto’ de antigamente. Será que ‘acabou’?"

Respondi nem sim nem não. Expliquei que hoje a falta é geral em todas as posições de mais representatividade. Mas que a questão do tom da pele só serve mesmo é para driblar a luta de todos contra a exclusão racista.

E disse mais: o que vale, de verdade, em qualquer campo, é a garantia de nossas prerrogativas enquanto seres humanos. Porque nosso direito à igualdade, com dignidade e respeito, não precisa de VAR para ser validado. O preto velho achou engraçado.

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