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Giovana Madalosso

Sal, limão e reflexões em Guadalajara

Escritora conta sobre sua experiência na maior feira de livros da América Latina

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Giovana Madalosso

Escritora, é autora de "Tudo Pode Ser Roubado" e "Suíte Tóquio" e colunista da plataforma de mudanças climáticas Fervura

Voltei há pouco da Feira Internacional do Livro de Guadalajara, a maior do gênero na América Latina, pela primeira vez em formato totalmente presencial depois da pandemia. Andando por seus corredores cheios, batizados com nomes como Avenida dos Novelistas, fiquei pensando que o poder do encontro físico não vem só da troca de olhares ou das vozes ao redor dos ouvidos mas também do que precede tudo isso.

Visante olha livros exibidos durante a Feira Internacional do Livro de Guadalajara, no México - Ulises Ruiz - 26.nov.22/AFP

O escritor Mircea Cartarescu voou por dezesseis horas da Romênia ao México para dizer que, na vida e na literatura, o sonho importa. Ariana Harwicz vestiu suas botas de couro lá em Paris e só as tirou vinte e quatro horas depois para, enfim, contar ao público que não conseguiu amar o filho assim que ele nasceu, que o tão esperado parto lhe causou menos emoção do que ler Nietzsche pela primeira vez. O poeta Wingston González deixou sua bucólica Livingston, na Guatemala, para afirmar que "bruxaria é como chamamos a espiritualidade do outro". Laura Puertas saiu do Panamá para declarar que a autocensura e o cancelamento são ainda mais corrosivos do que a censura.

Nara Vidal pegou um voo, duas conexões e uma gripe para sustentar que não saber nossas origens é tão determinante quanto sabê-las. Raphael Montes saiu do nosso distante Brasil para falar algo certamente interessante que, por azar, acabei perdendo. Eu deixei esse mesmo Brasil e um complexo esquema tático de parentes cuidando da minha filha para dizer a um público de adolescentes que a escrita não é sagrada, que qualquer um pode ser escritor.

Estar no presencial é, antes de mais nada, deslocar-se. Sair do conforto de casa e atravessar ruas, estradas, montanhas, fronteiras e inseguranças para oferecer um pequeno punhado de ideias e receber outro em troca. Depois de uma pandemia e de quatro anos sob um governo que combate a cultura, como foi bom ver o mundo girando de novo com a propulsão do pensamento. Ainda mais quando esse giro veio acompanhado de sal, limão e tequila.

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