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Clauber Leite

Sem luz, sem educação

Quedas de energia afetam mais as crianças pobres

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Clauber Leite

Coordenador de projeto do Instituto Pólis

As histórias de superação por meio da educação frequentemente nos emocionam nas redes sociais: filho de pedreiro que virou advogado, filha de cobrador de ônibus que virou cientista; e assim por diante.

Os personagens normalmente partiram de um contexto de grandes dificuldades, onde o esforço individual foi preponderante para que conseguissem enfrentar a falta de infraestrutura e demais deficiências que os separavam de contemporâneos para avançar em carreiras mais bem remuneradas e consideradas de maior sucesso do que as de seus familiares. Evidentemente que esses episódios isolados devem ser celebrados por sua importância na trajetória específica dos envolvidos e como exemplos para outros jovens. Mas é muito preocupante que, enquanto sociedade, pouco estejamos fazendo para garantir que esses caminhos sejam minimamente acessíveis para mais brasileiros.

Alunos são dispensados mais cedo por falta de luz em escola estadual do Grajaú, na zona sul de São Paulo - Ronny Santos - 8.dez.17/Folhapress

Essa situação fica nítida no caso da energia elétrica, um direito que justamente serve de base para outros direitos, como a educação. O fato é que a qualidade do serviço disponibilizado para as famílias mais pobres é mais uma barreira nessa corrida de obstáculos que as crianças carentes têm de enfrentar se quiserem "ser alguém na vida". Afinal, nas favelas e periferias de São Paulo, falta luz muito mais vezes e por mais tempo do que nos bairros mais abastados da cidade mais rica do país.

A constatação é do estudo "Desigualdades na Qualidade de Fornecimento de Energia Elétrica: uma análise dos indicadores de continuidade para o município de São Paulo", do Instituto Pólis, que correlaciona indicadores de qualidade da energia com as condições de renda, raça e participação de mulheres de baixa renda como responsáveis pelos domicílios. Condições semelhantes foram observadas em Maceió, Rio Branco e no Rio de Janeiro

A realidade é estarrecedora: os conjuntos elétricos com interrupções mais duradouras e frequentes estão, em sua maioria, em regiões que apresentam menor renda, porcentagem de população negra superior à média da cidade e maior porcentagem de mulheres de baixa renda como responsáveis pelo domicílio.

O estudo mostra que os bairros mais centrais da capital paulista apresentam metas de qualidade superiores às dos demais tanto em termos de duração como de frequência das interrupções no fornecimento de energia. Nos primeiros, os limites são de, respectivamente, 3 a 4 horas, e até três vezes por ano. Nas áreas mais periféricas, por outro lado, os limites chegam ao intervalo de 10 a 14 horas, enquanto a quantidade de vezes em que o serviço é interrompido pode chegar a 14 vezes.

A pesquisa identificou ainda discrepâncias significativas nas condições de atendimento das favelas. Embora a quantidade de interrupções nos domicílios nesses locais seja semelhante à média geral, a duração média de cada interrupção nas comunidades mais carentes é de 11,8 horas —ou 21% acima do que a média no município.

As condições de atendimento nas favelas também destoam em relação aos bairros próximos com rendas médias superiores. Nos bairros de alta renda do distrito da Vila Andrade, a duração média das interrupções é de 9 horas, enquanto na favela de Paraisópolis (no mesmo distrito) é de 41 horas. Além disso, um morador da favela chega a ficar 41 vezes por ano sem energia, enquanto no restante do distrito as médias observadas são de até 15 vezes.

A superação do ciclo da pobreza por meio da educação não pode ser uma exceção reservada a estudantes determinados a superar uma vida precária. Condições para o estudo no ambiente doméstico são elementos básicos para que milhões de brasileiros hoje alijados de uma cidadania digna se desenvolvam e possam sonhar com uma vida melhor.

É urgente, portanto, uma revisão dos métodos e metas de qualidade dos serviços de distribuição, de modo que a energia elétrica para uma criança fazer a lição de casa não seja (mais um) privilégio disponível apenas para os coleguinhas que tiveram a sorte de nascer no bairro vizinho.

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