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Nelson Marconi

É viável uma moeda comum entre Brasil e Argentina? NÃO

Não criemos uma ilusão monetária; olhemos para a Ásia e seus manufaturados

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Nelson Marconi

Professor da FGV-Eaesp, é coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getulio Vargas

O governo vem defendendo a criação de uma moeda comum entre países sul-americanos com o objetivo de fortalecer os fluxos comerciais e financeiros da região e reduzir a dependência em relação a outras moedas, notadamente o dólar. A moeda comum coexistiria com as moedas já existentes nos diversos países.

Assim, países que possuem reservas escassas em dólares poderiam realizar transações em uma moeda aceita no bloco e que seria conversível às moedas locais. Pois bem, hoje os países do Mercosul já contam com um sistema de pagamentos em moeda local para operações do bloco que é muito pouco utilizado. Possivelmente porque há um desequilíbrio entre a competitividade das moedas dos países que integram a região...

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado de seu homólogo argentino, Alberto Fernández, na Casa Rosada, em Buenos Aires - Ricardo Stuckert/Divulgação

Mas vamos seguir em frente com a ideia. Imaginemos que a moeda comum seja implantada, mesmo com o sistema atual sendo pouco efetivo, e os exportadores dos países que integram o Mercosul, e outros que aderirem, comecem a realizar vendas baseadas nesta moeda. Certamente haverá uma taxa de câmbio para conversão entre a moeda comum e as moedas que já existem hoje, baseada nas taxas de câmbio atuais, visando a paridade destas com o dólar. Até aí, não há nenhuma grande novidade.

Os bancos centrais dos países começarão a acumular reservas nesta nova moeda. Como o volume de comércio de manufaturados entre os países do Mercosul não é significativo frente ao comércio mundial, pois a indústria destes países vem sendo enfraquecida ao longo de anos, logicamente permanecerá a necessidade de importar grande volume de insumos ou produtos industrializados finais de países que não integram o bloco econômico. Suas reservas em dólar —necessárias para liquidar suas operações com países de outras regiões— começarão a diminuir, aos poucos e proporcionalmente, em relação às suas reservas nesta nova moeda.

Em algum momento, é provável que os países-membros proponham a transformação da moeda comum em única para "fortalecer mais" a região e buscar uma "ampla" aceitação e proliferação nas negociações comerciais e financeiras com o restante do globo (como alguns já vêm falando) —e aí mora o perigo. A solução para o problema, que não se desfará com a criação de um lastro monetário, seria o aprofundamento do próprio problema.

Uma moeda única significa a perda de autonomia das políticas fiscais, monetárias e principalmente cambial de um país. Países com produtividades diferentes, situações fiscais e de inflação distintas sofreriam com uma camisa de força oriunda da moeda e da taxa de câmbio única. Para se ajustarem, teriam que fazer ajustes recessivos, como na Itália, na Espanha, em Portugal e na Grécia, que se desindustrializaram após o ingresso no euro; ou aqueles que estivessem em situação melhor, para evitar um ajuste recessivo em outros, terminariam importando inflação dos vizinhos.

Se queremos ajudar nossos parceiros e fortalecer o comércio entre o Mercosul, fato que será benéfico para todos, façamos diferente. Vamos tomar medidas para fortificar a indústria da região, criar linhas de crédito para as exportações, rediscutir tarifas, buscar acordos comerciais com outros blocos defendendo os interesses locais; investir em ciência e tecnologia conjuntamente e reduzir nossas diferenças macroeconômicas. Não criemos uma ilusão monetária para um problema que é real. Olhemos para a Ásia, sempre, e vejamos o que eles fizeram e fazem para se tornar o grande polo dinâmico da produção mundial de manufaturados.

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