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O que a Folha pensa Congresso Nacional

Freio à hostilidade

Lei que veta arquitetura contra morador de rua tem mérito, mas aplicação incerta

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Pedras instaladas pela Prefeitura sob viaduto em São Paulo (SP) - Zanone Fraissat/Folhapress

Pedras, lanças, grades, divisórias, cercas elétricas e até goteiras e jardins improvisados. Sob marquises e viadutos, em comércios e praças, ostensivos ou sutis, estratagemas para afastar do espaço público pessoas em situação de rua parecem crescer na mesma proporção em que essa população se espalha pelas grandes cidades do país.

É auspiciosa, portanto, a promulgação da Lei Padre Júlio Lancelotti, que visa coibir intervenções urbanas do tipo, também classificadas como "arquitetura hostil".

Recém-aprovado pelo Congresso, o regramento faz referência ao religioso responsável pela Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, que denunciou o avanço desse expediente no auge da pandemia —em 2021, o próprio padre quebrou a marretadas pedras instaladas pela Prefeitura debaixo de um viaduto.

Leis semelhantes vêm sendo replicadas em âmbito municipal, como em Recife e Alfenas (MG), ainda que cercadas de polêmicas, como se viu na nova lei federal.

Apesar da aprovação na Câmara dos Deputados, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou o projeto, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES).

A justificativa foi a de que a medida poderia causar interferência no planejamento de políticas urbanas "ao buscar definir as características e condições a serem observadas para a instalação física de equipamentos e mobiliários".

A decisão também apontava "insegurança jurídica" por se tratar de conceito que, de fato, ainda não é consolidado no ordenamento legal. Três dias depois, contudo, o veto foi derrubado pelo Congresso, com ampla maioria.

Subterfúgios para espantar cidadãos em situação de vulnerabilidade, muitas vezes famílias inteiras que não têm onde dormir ou se abrigar da chuva, representam um barbarismo que deve ser repelido em qualquer sociedade civilizada.

Entretanto se a lei tem méritos ao jogar luz sobre o avanço do déficit habitacional, por óbvio não exime as autoridades de empreenderem com urgência políticas efetivas de moradia e emprego, de preferência de modo concomitante, para proporcionar o mínimo de dignidade a esses brasileiros no longo prazo.

Cabe agora acompanhar como o poder público fará valer, na prática, o novo diploma —o que ainda não está suficientemente claro, seja para impedir novas edificações hostis, seja para determinar a retirada das já existentes.

editoriais@grupofolha.com

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