Descrição de chapéu
Edilamar Galvão

No alvo dos acontecimentos

Foto de Lula atrás de vidraça quebrada choca por evidenciar intenção golpista

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Edilamar Galvão

Mestre e doutora em comunicação e semiótica (PUC-SP), é coordenadora do curso de jornalismo da Faap

"O fotógrafo caça, a fim de descobrir visões até então jamais percebidas.
E quer descobri-las no interior do aparelho."
(Vilém Flusser)

A foto de Lula arrumando a gravata por trás de um vidro estilhaçado, estampada na Primeira Página da Folha na quinta-feira (12), chocou leitores e internautas e acendeu um debate nas redes sociais e em grupos de jornalistas e pesquisadores da área. Acompanhei uma parte da discussão, que trouxe pelo menos dois pomos da discórdia em comum: É ou não fotojornalismo? Sendo ou não fotojornalismo, a imagem é ou não uma "distorção" da realidade?

Um dos argumentos para não considerar a fotografia de Gabriela Biló como fotojornalismo foi a técnica utilizada: a "múltipla exposição". Trata-se de uma sobreposição de imagens no interior da própria câmera. E seria essa uma técnica diferente do "mero" enquadramento, de outros procedimentos, que criam narrativas e são fruto do ponto de vista da câmera e das escolhas do fotógrafo?

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Foto feita com técnica de múltipla exposição mostra o presidente Lula e vidro avariado após ataques do dia 8 - Gabriela Biló - 18.jan.2023/Folhapress - Folhapress

Em agosto de 2011, Wilton Junior, de O Estado de S. Paulo, produziu uma antológica foto de Dilma Rousseff (PT). Com ela, conquistou em 2012 o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha e o Prêmio Esso de Fotojornalismo no Brasil. Na imagem, a espada parece atravessar pelas costas a presidente, que, "atingida", se inclina para a frente. O ângulo da câmera cria a impressão de um fato físico que não existe.

Ângulo, saturação da luz, velocidade do obturador, milimetragem da lente e corte da fotografia são apenas alguns dos procedimentos técnicos do ato de fotografar. E a "captura do instante" que "existiu" pode produzir, por algum desses procedimentos, uma ilusão de ótica de um fato físico que, a rigor, não existiu. O que importa, no caso, é a narrativa que a imagem compõe diante do contexto que ela, sobretudo, interpreta.

Por fim: a imagem de Biló "distorce" a realidade? A sobreposição não é de duas imagens fortuitas. A repórter-fotográfica não inventou o vidro quebrado. Não inventou aquele "instante" descontraído nos dias que se seguiram aos ataques terroristas.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, durante entrevista à Folha, em Brasília; foto foi feita com técnica de múltipla exposição - Gabriela Biló/Folhapress - Folhapress

Na foto de fundo, Lula sorri, arruma a gravata, a cabeça inclinada para baixo em movimento ascendente. Na foto de frente, um dos vidros do Palácio aparece estilhaçado, sem romper, como que atingido a bala. Na sobreposição, a marca do "tiro" se localiza no peito de Lula.

A imagem choca justamente por evidenciar a verdadeira intenção do bolsonarismo terrorista. A fúria criminosa que se viu no dia 8 de janeiro, antecedida do fracassado atentado a bomba na véspera do Natal de 2022, deixa claro que os golpistas estavam dispostos a tudo.

No entanto, a reação coordenada do governo diante dos ataques fez Lula, mais uma vez, assumir o comando dos acontecimentos e desencadear uma série de ações em defesa da democracia vinda dos mais variados atores políticos, nacional e internacionalmente: a determinação do esvaziamento dos acampamentos golpistas; a intervenção na segurança do Distrito Federal; o afastamento do governador Ibaneis; a reunião entre os representantes dos três Poderes e de todos os governadores do país; os pronunciamentos de líderes do mundo inteiro em apoio ao presidente —além de praticamente toda a imprensa brasileira dando, em coro, o nome correto aos bois: atos terroristas, em vez de "manifestações", golpistas e terroristas em lugar de "manifestantes".

Violentamente atacado, o governo reage, e Lula acumula vitórias em cima dos golpistas. Os vidros ainda estão trincados, mas Lula, "blindado", sorri, arruma a gravata, levanta a cabeça e parte para o próximo compromisso. A imagem de Biló mira, e acerta, na síntese simbólica entre todos esses acontecimentos.

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