As distorções do sistema de Justiça brasileiro, que acabam por confundir os cidadãos acerca do papel das penas e de outros recursos da persecução penal, não poderiam deixar de aflorar no caso dos ataques às sedes dos Três Poderes.
As centenas de prisões em flagrante de investigados por tentar subverter a democracia e depredar patrimônio público foram importantes para estancar a baderna, desestimular a sua propagação e assegurar os primeiros passos de apurações e processos criminais.
A reação inicial enérgica embasou iniciativas como as da Advocacia-Geral da União, de requerer o bloqueio judicial do patrimônio de pessoas e empresas suspeitas de participarem da destruição. O objetivo, afinal, é que os culpados, ao fim do devido processo legal, cumpram suas sentenças e paguem do bolso pela agressão selvagem ao bem comum dos brasileiros.
Não se pode confundir, entretanto, esse nobre desiderato com a manutenção de quase um milhar de pessoas detidas —agora em regime preventivo, sem prazo para terminar. Esse tipo de prisão não tem a função de punir ninguém.
Trata-se de recurso extremo e excepcional, previsto no Código de Processo Penal para impedir que um indivíduo ainda não julgado cometa atos como atrapalhar investigações, fugir ou voltar a delinquir. A regra é responder em liberdade.
Mais de 15 dias depois da grande maioria das detenções, a força-tarefa encarregada dos inquéritos já deveria estar se aproximando do núcleo de golpistas perigosos, seja pela sua capacidade de liderança, seja por serem reincidentes no crime. Apenas a esse grupo restrito a melhor prática recomenda reservar a cautela da prisão preventiva.
Os demais que possuam endereço fixo e bons antecedentes têm direito de enfrentar as acusações fora da cadeia. Opções menos gravosas que a cela —como monitoria eletrônica, prisão domiciliar e afastamento de função pública— ajudariam em casos intermediários.
O Estado democrático de Direito obriga-se a garantir, inclusive aos celerados do autoritarismo, as prerrogativas do amplo contraditório e da presunção da inocência antes de sentença condenatória.
Deslizar para uma plataforma de punições indiscriminadas, adotando heterodoxias na aplicação da lei ainda que de boa-fé, seria jogar o jogo em que os inimigos da democracia se refestelam. Como afirmou o ex-ministro Nelson Jobim, partir para uma reação desse tipo seria fortalecer o bolsonarismo.
Os extremistas praticam a sintaxe do fanatismo milenarista, e fornecer-lhes candidatos a mártir é má estratégia. Mais sábio é garantir que os acusados usufruam de todos os direitos e sejam responsabilizados na medida de suas culpas.
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