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Laura Schiavon

Justiça para elas pode desenhar novas histórias

Ciência se mostra eficaz contra a violência doméstica

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Laura Schiavon

Doutora em economia (PUC-Rio) e especialista em avaliação de impacto de políticas públicas e desenvolvimento econômico, é professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora)

Ano novo, vidas novas marcadas pela agressão. A violência física e psicológica contra a mulher foi trending topic no país no início do ano após o BBB 23 ser palco de atitudes consideradas abusivas. O episódio motivou um alerta do apresentador Tadeu Schmidt, que repercutiu nas redes sociais. No mesmo período, o jogador Daniel Alves foi preso preventivamente na Espanha sob acusação de estupro e abuso sexual.

As agressões não estão restritas a contextos específicos ou condicionadas ao comportamento das vítimas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual no mundo. Na maioria dos casos, o agressor é o parceiro da vítima. No Brasil, metade dos homicídios de mulheres são cometidos por pessoas próximas à vítima, majoritariamente por companheiros e ex-companheiros.

A violência contra a mulher carece de políticas públicas específicas devido à alta incidência e às características distintas de outros crimes violentos. As denúncias revelam que a maioria dos casos ocorre no ambiente doméstico e é perpetrada por familiares ou parceiros. A revitimização é outra peculiaridade desses casos. Segundo dados do Ligue 180, a maioria das vítimas atendidas relata que sofre agressão pelo menos uma vez por semana.

O sistema de Justiça brasileiro tem estabelecido um conjunto de políticas para a proteção das mulheres, algumas delas com impacto atestado cientificamente. Amplamente conhecida, a Lei Maria da Penha é referência mundial no tópico. Sancionada em 2006, introduziu uma série de inovações para prevenção e redução da violência doméstica contra a mulher, como as medidas protetivas de urgência, a assistência social às famílias e a criação de varas judiciais especializadas.

Em estudo realizado por mim em coautoria com Claudio Ferraz, isolamos o impacto da iniciativa. A Lei Maria da Penha reduziu em 9% o número de homicídios de mulheres por agressão domiciliar nos municípios de pequeno e médio porte. Maior parte desse efeito reflete a redução no número de casos cuja vítima era negra ou de baixa escolaridade. Em consonância com o amadurecimento institucional e o ganho de confiança da população, demonstramos que o efeito da lei foi crescente ao longo dos anos. Estudos conduzidos para os Estados Unidos reiteram o papel da criação de leis específicas para a prevenção e punição da violência doméstica e de gênero.

Apesar de ainda ausente na maioria dos municípios brasileiros, as delegacias e varas especializadas se mostraram eficazes na proteção das mulheres em diversos países. No Brasil, a criação de delegacia das mulheres evitou 5,6 mortes de mulheres entre 15 e 24 por 100 mil habitantes nas regiões metropolitanas entre 2004 e 2009, segundo análise de Elizaveta Perova e Sarah Reynolds. Efeitos na mesma direção foram encontrados em resposta à criação de delegacias especializadas no Peru e na Índia e de varas de violência doméstica na Espanha e no Tennessee (EUA).

Política complementar à expansão das delegacias e varas especializadas, o aumento do efetivo policial feminino pode também proteger vidas. Em uma das poucas avaliações desse movimento, Amalia Miller e Carmit Segal verificaram que o crescimento da participação feminina na polícia dos Estados Unidos entre as décadas de 1970 e 1990 incentivou a denúncia e refreou agressões fatais e não fatais por violência doméstica.

A especialização e a celeridade no sistema judiciário são capazes de reduzir significativamente a violência contra a mulher por meio de prevenção, estímulo à denúncia, proteção às vítimas e redução da revitimização. Essas iniciativas precisam ser implementadas em conjunto com políticas sociais, de promoção da igualdade, atenção à saúde mental e mudança de normas sociais. Uma justiça para elas pode desenhar novas histórias.

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