Eventos geológicos inevitáveis de um planeta formado por placas tectônicas que se atritam enquanto flutuam sobre mares de massa incandescente, terremotos por vezes trazem mais do que destruição e morte ao registro histórico.
O mais famoso sismo europeu, o de Lisboa em 1755, marcou a psiquê do continente com debates filosóficos acerca da natureza divina e do cenário português —com o projeto arquitetônico do despotismo esclarecido de Marquês de Pombal, o reconstrutor da capital.
Geralmente, contudo, apenas aspectos trevosos são colocados em evidência com essas tragédias, como comprova a que se abateu sobre Turquia e Síria, na segunda (7).
Ali, a expressão idiomática inglesa ganha sentido claro mesmo em português: foi adicionado insulto à injúria. Não bastassem os mais de 20 mil mortos contados até agora, o incidente se mistura à turbulência política da região.
A situação é mais grave na Síria, país assolado por uma guerra civil desde 2011. O efeito do conflito se espraia sobre o do terremoto.
Primeiro, porque segundo a ONU as áreas afetadas concentram cerca de 4 milhões de sírios dependentes de ajuda externa, além de 64% dos 5,4 milhões de refugiados dos combates, que procuraram abrigo justamente na vizinha Turquia.
Somadas a vítimas com vulnerabilidades diversas, a Organização Mundial da Saúde verifica 23 milhões de pessoas sob risco imediato de desabastecimento e doenças.
Segundo, a ditadura de Bashar al-Assad impôs a centralização dos esforços de ajuda, o que impede na prática o alcance a regiões ainda dominadas por rebeldes jihadistas.
Já na Turquia, mais estruturada, a resposta vista como fraca pela população coloca pressão sobre o governo autocrático de Recep Tayyp Erdogan, homem-forte desde 2003.
É possível que o presidente adie as eleições gerais de 14 de maio, nas quais deverá concorrer, sob o pretexto da prioridade humanitária. Isso irá demonstrar o temor do impacto do sismo sobre sua posição, até aqui desafiada, mas considerada forte o suficiente para a vitória.
Ancara está no centro de tensões regionais, equilibrando-se entre o apoio à Ucrânia e a boa relação com a Rússia. Ademais, enfrenta a maior inflação dos últimos 25 anos. Erdogan, por fim, olha a própria história: sua ascensão ao poder veio justamente na esteira de quatro anos de descontentamento com a reação oficial ao terrível terremoto de 1999 no país.
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