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O que a Folha pensa drogas

Tratamento obscuro

Ao apoiar comunidades terapêuticas, governo valida abordagem antidrogas duvidosa

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Atendimento a dependentes químicos em Centro de Apoio Psicossocial (Caps) de Campinas (SP) - Adriano Vizoni/Folhapress

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou, por meio de decreto, o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, entidades que em geral utilizam isolamento, abstinência e religião para tratar o vício em drogas.

Essa abordagem carece de respaldo científico. Pesquisas na área de saúde mental atestam que o tratamento baseado no contato social e na redução de danos é mais eficaz.

Ademais, segundo especialistas ouvidos pela Folha, serviços terapêuticos para usuários de psicoativos devem ficar sob fiscalização do Ministério da Saúde.

Contudo, o departamento recém-criado está ligado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, comandado por Wellington Dias (PT). Não previsto na estrutura inicial da pasta, o órgão foi criado logo após reunião do ministro com representantes das entidades.

O rápido atendimento da demanda mostra o poder das mais de 700 comunidades que tiveram, sob Jair Bolsonaro (PL), a verba dobrada e as vagas nelas disponíveis sextuplicadas pelo antigo Ministério da Cidadania de Osmar Terra (MDB).

A grande influência política desse setor advém de sua matriz religiosa: 74% das entidades são ou católicas ou evangélicas.

O Orçamento de 2023 mostra que o tratamento de base científica duvidosa compensa. Foram reservados R$ 273 milhões para "redução da demanda de drogas" —rubrica destinada a essas comunidades.

Ainda mais graves são as diversas denúncias de maus tratos e outras violações de direitos humanos praticadas nos locais de internação, geralmente afastados dos grandes centros, com fiscalização precária —o que leva organizações da área de saúde mental e ligadas à pauta antimanicomial a pressionarem o governo para desmantelar o apoio a essas instituições.

A postura dúbia de Lula sobre o tema é antiga. A falta de critério que diferencie usuário de traficante na Lei de Drogas de 2006 gerou distorções, como o aumento das prisões de negros e pobres. Nas eleições de 2022, o petista prometeu nova política intersetorial fincada na redução de danos, mas, com o apoio às comunidades terapêuticas, persevera na ambiguidade.

O atendimento a dependentes químicos com base científica já é oferecido nos Centros de Apoio Pisicossocial (Caps). Em vez de alocar recursos em terapias obscuras, o governo deveria direcioná-los ao SUS. Não é preciso inventar a roda.

editoriais@grupofolha.com

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