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Simpatia do PT por tiranias de esquerda ameaça afetar diplomacia do governo Lula

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Vigília em homenagem aos mortos nos protestos contra o regime de Daniel Ortega, em Masaya (Nicarágua) - Inti Ocon/AFP

Alberto Cantalice, membro do diretório nacional do PT e diretor da Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, expressou não mais que um truísmo. Disse que Venezuela e Nicarágua são ditaduras —e que não faz sentido criticar o autoritarismo de Jair Bolsonaro (PL) e, ao mesmo tempo, poupar esses dois regimes latino-americanos.

A obviedade da afirmação não evitou que lideranças petistas mais identificadas com a velha guarda desautorizassem Cantalice, que também fizera crítica a Cuba, posteriormente relativizada.

Entre os representantes dessa ala, ligações afetivas com os dirigentes estrangeiros de esquerda e uma fetichização da história de movimentos populares parecem falar mais alto do que as evidências presentes de graves violações a direitos humanos e outros crimes

Enquanto esse tipo de controvérsia fica restrito ao âmbito do partido, trata-se de uma questão "interna corporis", ou seja, que diz respeito apenas à legenda e seus filiados. Se o PT quiser queimar seu capital político louvando ditaduras, é direito seu fazê-lo.

O problema é que há indícios de que a ambiguidade petista em relação às ditaduras de esquerda esteja novamente afetando posicionamentos diplomáticos do Brasil, agora sob a administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que a transforma numa questão pública.

E, com efeito, o governo brasileiro demorou mais de um mês para oferecer acolhimento aos opositores do regime nicaraguense de quem Daniel Ortega, em mais um lance de sua escalada autoritária, suprimiu a cidadania, convertendo-os em mais de 300 apátridas.

Governantes sul-americanos de uma esquerda menos fossilizada, casos do Chile e da Colômbia, foram bem mais rápidos no tempo de reação e na condenação a outras violações de direitos humanos por parte do líder sandinista.

Não se pede que o Brasil rompa com países suspeitos de torturar presos ou que oriente sua atuação diplomática pelo moralismo. Relações internacionais, ninguém o ignora, são pautadas primordialmente pelo interesse. O Brasil pode e deve relacionar-se tanto com Cuba como com a Arábia Saudita.

É importante, entretanto, que os interesses sejam modulados por princípios. A própria Constituição, em seu artigo 4º, elenca dez deles, entre os quais estão a prevalência dos direitos humanos e a concessão de asilo político. A sinalização visa tanto ao público externo, isto é, a comunidade de nações, como ao interno, os cidadãos brasileiros.

Lula foi eleito para governar para todos, não apenas para petistas e aliados ideológicos. Isso exige que enterre de vez suas simpatias por ditaduras amigas, pois agora representa o Estado brasileiro.

editoriais@grupofolha.com

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