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O mistério das joias

Depoimento de ex-ministro só aumenta dúvidas sobre presente saudita a Bolsonaro

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Joias que teriam sido dadas de presente pela Arábia Saudita ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) - Danilo Verpa/Folhapress

Nas aventuras de Sherlock Holmes, o detetive de Arthur Conan Doyle sempre se pauta pela separação meticulosa dos fatos antes de elaborar a tese a ser testada acerca da ocorrência de um crime. Não raro, contradições discretas mudavam o rumo das investigações.

Na vida real do Brasil de 2023, a sutileza passa bem longe. A apuração do opaco episódio das joias que o governo da Arábia Saudita teria enviado como presente para o então presidente Jair Bolsonaro (PL) tem revelado um cipoal de versões discrepantes.

O novo capítulo foi o depoimento dado pelo almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, à Polícia Federal na terça-feira (14). Ele afirmou ter trazido, após reuniões no país árabe em 2021, dois conjuntos de joias sem saber do que se tratava.

Só descobriu, disse, quando seu assessor que carregava um estojo avaliado em R$ 16,5 milhões foi flagrado tentando entrar no país sem declará-lo à Receita Federal. Já em vídeo de segurança do aeroporto de Guarulhos, o almirante alegou que eram para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, mas a carteirada não funcionou.

Em sua oitiva na PF, Albuquerque mudou a versão —reafirmada em entrevistas quando o caso emergiu neste ano— ao dizer que apenas supôs que os presentes eram para Michelle, e que o destinatário do mimo seria a impessoal União.

A explicação dada pelo almirante desmonta a alegação da defesa de Bolsonaro de que os agrados eram "personalíssimos" e poderiam, assim, serem levados para casa pelo então mandatário —o que de resto já contradizia a negativa inicial de conhecimento sobre o caso.

Para piorar, ainda será apurado o caminho de um segundo conjunto de joias, este masculino, que estava na bagagem de um dos membros da comitiva e escapou da interceptação pela Receita.

O ex-ministro o manteve de forma incompreensível em um cofre, e o material foi entregue a Bolsonaro em novembro de 2022, enquanto o estojo apreendido em 2021 foi objeto de oito tentativas frustradas de recuperação por parte da Presidência perante o fisco.

Nada no caso parece se encaixar, a começar pelo valor dos presentes, acima da já bem generosa média dos agrados da monarquia absolutista do Golfo. Já o transporte do material nas raias da ilegalidade apenas exacerba as dúvidas sobre a natureza do presente.

O caso constrange também os sauditas, mudos até aqui, não menos porque Albuquerque esteve reunido na viagem com a gigante petrolífera estatal Aramco, que é negociada em Bolsa nos EUA —o que implica regras draconianas sobre relações com governos, como oferecimento de presentes suspeitos.

editoriais@grupofolha.com

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