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Alexandre Benoit e José Paulo Gouvêa

Por um ensino de arquitetura e urbanismo que responda aos desafios do país

Trata-se de alavanca necessária para termos cidades mais democráticas e sustentáveis

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Alexandre Benoit

Arquiteto-urbanista formado pela FAU-USP, é professor associado da Escola da Cidade e pesquisador no GHIPARQ FEC-Unicamp na área de arquitetura moderna brasileira

José Paulo Gouvêa

Arquiteto-urbanista pela FAU-USP, é professor associado da Escola da Cidade e sócio diretor do escritório JPG.ARQ

Embora sejamos um país urbano, 24 milhões vivem em habitações precárias e quase metade dos brasileiros não dispõe de coleta de esgoto. Isso dimensiona os enormes desafios para arquitetas e arquitetos formados todos os anos. Longe de um debate estilístico, exige-se um compromisso com a dimensão pública da arquitetura e do urbanismo.

É preciso lembrar que essa visão norteou a criação dos principais cursos de arquitetura no país. Vilanova Artigas, que se empenhou em desvincular a profissão da engenharia, conduziu em 1962 a reforma de ensino da então recém-criada FAU-USP, orientando o curso para a formação de um profissional humanista que respondesse à industrialização e ao crescimento urbano do período desenvolvimentista. Era a época de Darcy Ribeiro à frente da UnB, fomentando o que ele chamava de "universidade necessária", isto é, uma contribuição ativa ao progresso científico e econômico do país.

Vista da favela no Morro da Lua, em São Paulo - Ernesto Benavides - 30.set.2022/AFP - AFP

A ação desses intelectuais foi brutalmente interrompida pelo golpe de 1964. Somente com a redemocratização os jovens que ingressavam nas escolas de arquitetura retomaram esses ideais, atentos também à participação popular e às questões colocadas pelas periferias, processo que convergiu na emenda popular pela Reforma Urbana para a Constituinte de 1988.

Não tardou para que essa geração se ocupasse também do ensino. Assim, ao longo dos anos 1990, difundiram-se propostas inovadoras em escolas privadas de arquitetura. Em São Paulo, diversas experiências se tornariam lendárias, ora retomando postulados dos anos 1960, ora formulando pedagogias radicais de fundo autogestionário.

O fio partido pela ditadura era reatado tanto nas pranchetas como nos ateliês estudantis. Contudo, assim como a transformação das cidades entraria em conflito com a agenda neoliberal e sua política urbana excludente, no âmbito das faculdades, as propostas inovadoras colidiriam com o patronato e o ensino como mercadoria.

Felizmente esse processo não foi em vão, frutificando tanto no revigoramento da universidade pública como em novos cursos, geridos pelos próprios arquitetos, como é o caso da Escola da Cidade, uma associação de professores então demitidos de um curso particular após uma greve por reforma curricular em 1996. No hiato de cinco anos entre a decisão de fundar o novo curso e sua aprovação junto ao MEC, em 2002, intenso debate mobilizou o grupo, contando com o apoio de figuras como Aziz Ab’Sáber, Domenico de Masi e Oscar Niemeyer.

Os anos 2000 representaram um novo fôlego que corresponderia, no âmbito do ensino, a um intercâmbio latino-americano de experiências, um alargamento de perspectivas em grande medida impulsionado pelo discurso de Paulo Mendes da Rocha sobre um continente sem fronteiras, e, no âmbito urbano, ao Estatuto das Cidades, seguido do Ministério das Cidades.

Se os anos 2010 representaram poucos avanços no plano urbano, mais recentemente a inação foi ainda maior, diante do impacto da pandemia. O ensino e a profissão consolidaram, por outro lado, uma visão progressista. São testemunhos disso as Bienais de arquitetura, o fortalecimento do Instituto de Arquitetos do Brasil, de suas sedes regionais e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, com inédita participação de mulheres, negros e indígenas.

Agora, sob uma perspectiva de reconstrução democrática do país, neste momento em que a Escola da Cidade chega aos seus 20 anos, vislumbramos que o processo iniciado nos locais de ensino e sedimentado nas entidades da categoria possa alcançar o plano de realizações mais duradouras. É incontornável, porém, que o ensino continue a se transformar, estreitando os vínculos com os problemas brasileiros, o ensino enquanto prática e alavanca necessária de cidades mais democráticas e sustentáveis.

Lançamento do livro "A Grande Escola é a cidade: 20 anos de uma faculdade de arquitetura no centro de São Paulo"
Sábado (1º), às 11h
Local: Escola da Cidade
Rua General Jardim, 65 - Vila Buarque, São Paulo (SP)
Entrada gratuita

TENDÊNCIAS / DEBATES
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