"Vou começar servindo uma água. Com ou sem gelo?", perguntou o barman que me atendeu —estava sentada em uma banqueta no movimentado balcão de um bar paulistano. Não esperava tamanha gentileza. E lá estava a hospitalidade derramada em um copo. Junto aos drinques que consumi no balcão, fez grande diferença. Causou, sem dúvida, um impacto muito positivo.
Não acredito que sentar e já oferecer a água antes de qualquer coisa deva ser o protocolo de atendimento em todos os locais de alimentos e bebidas. Formalmente, restaurantes, bares, padarias, hotéis e todos esses estabelecimentos, segundo a lei paulistana 17.453/2020, são obrigados a disponibilizar água filtrada —a famosa "água da casa"— de forma gratuita aos seus clientes. Ou pelo menos deveriam. Esse é um debate que tem dado sede nas redes sociais nas últimas semanas.
Falando sério, cliente não é visita em casa, mas é quem paga a conta. Para muitos desses locais, a venda de água é parte da receita. Mas beber água de um filtro em um copinho ou escolher comprar uma garrafa, com ou sem gás, com rótulo, nacional ou importada, e lacrada, é escolha do cliente.
Este é um projeto antigo: existe no Brasil desde 1995 e começou no Rio de Janeiro. A lei paulistana foi sancionada em setembro de 2020 e entrou em vigor em 2021. No restante do Brasil, cada município e estado têm suas próprias regras.
Uma outra forma de olhar para isso é pensar em sustentabilidade e o volume de plástico gerado. Essa é a justificativa que também corre sobre o regramento. Benefícios ao ambiente, menos lixo, menos plástico —toda a conversa está sobre a mesa e é urgente: dos canudos aos saquinhos de supermercados, garrafas plásticas de água mineral incluídas.
De fato, para quem quer referências, já é praxe nos Estados Unidos e em vários países da Europa, a água chegar como um sinal de boas-vindas. Na Inglaterra e na Escócia, todas as empresas que vendem bebidas alcoólicas têm a obrigação de servir "tap water" ("água da torneira") de forma gratuita. Na Alemanha, o serviço de água nos restaurantes e bares é cobrado. Parte da cultura, a água é um veículo para abrir o apetite, acompanhar saudavelmente as bebidas alcoólicas e hidratar o consumidor. Não tem tanto drama.
Aqui no Brasil, muitas empresas, com ou sem a lei, já servem a água da casa. Cafeterias, bares de cervejas artesanais, restaurantes contemporâneos e bares de coquetelaria se posicionaram a favor —e o fazem com gosto. Como tudo na vida é antagônico, alguns empresários se posicionaram contra e resolveram bater o pé. A lista desses locais não está por aí... Afinal, quem quer aparecer com essa fama?
A pergunta básica, no entanto, permanece: será tão oneroso para o setor servir a água do filtro? O debate é necessário. CNTur (Confederação Nacional do Turismo) e Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) são contra a lei e estão ali para defender seus clientes, que são restaurantes e bares. E os clientes dos restaurantes e bares serão defendidos por quem?
"A sede é mais mortal que a fome", disse o jornalista britânico Tom Standage em seu livro sobre a história das bebidas. A conversa aqui pode ser complexa. Pode ir tanto para o lado da hospitalidade quanto da humanidade. Não há uma resposta fácil.
A empatia com clientes dispostos a gastar com comidas e outras bebidas parece ser uma gentileza poderosa. Servir a água no âmbito da hospitalidade pode ser considerado, como na expressão japonesa "omotenashi", um cuidado para além das expectativas. "Gelo e limão?"
TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.