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Paulo Solmucci

Restaurantes paulistanos devem ser obrigados a oferecer água grátis aos clientes? NÃO

Cortesia não é imposição, e setor pode sofrer quebra como ocorreu na pandemia

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Paulo Solmucci

Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)

A consultoria empresarial Ready Training Online (RTO), da Pensilvânia (EUA), calculou quanto de fato custa a um restaurante cada copo de água grátis ofertado ao freguês. Resultado: US$ 1,08. Há custos embutidos na repetida operação de pegar o copo limpo, preenchê-lo com água potável, levá-lo à mesa e, depois, recolhê-lo de volta à pia.

Proporcionalmente, a RTO pôs na ponta do lápis o tempo do profissional da cozinha e do garçom, as eventuais quebras de copo, as contas de água, gás e luz, o aluguel da casa, os impostos. E nem considerou, como se acrescenta no veredito da consultoria, "o tempo que levam os funcionários ao se afastarem das atividades lucrativas". Ainda assim, os restaurantes jamais deixam de servir água gratuita a um ou outro cliente. É uma gentileza.

Garçom serve água filtrada de graça em restaurante de Guarulhos - Eduardo Anizelli - 08.fev.2019/Folhapress

Contudo, a cortesia não pode virar imposição. Se um encanador ou eletricista faz um conserto em sua casa, e lá a ele é oferecido café e um pedaço de bolo, tal gesto não se torna cuja desobediência é sujeita a sanções [lei municipal paulistana 17.453/20 prevê multa de até R$ 8.000 para o estabelecimento que se recuse a oferecer água de graça]. O que teria de ser objeto de penalidade é a cidade de São Paulo desperdiçar 31,03% da água, seja por vazamentos em diferentes pontos da rede de abastecimento ou por ligações clandestinas.

De cada 100 litros de água, 31 litros não chegam ao seu destino. A falta d’água continua sendo um intermitente problema em alguns bairros da capital e de cidades do interior paulista. Segundo a plataforma SpringerLink (ligada à revista científica Nature), os desperdícios nas redes de água são de 3% a 7% na Holanda; de 7,5% a 15% na Austrália; e de 3% a 4% na Dinamarca.

Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) - Karime Xavier - 29.jun.22/Folhapress

Também deveria ser objeto de penalidade a falta de toaletes e bebedouros nos halls dos prédios públicos da cidade, inclusive para servir aos passantes das calçadas. O legislador comodamente ganha visibilidade na imprensa com projetos estúpidos, dirigidos aos estabelecimentos de portas abertas às ruas (lanchonetes, botecos, cafés, bares, bistrôs e restaurantes). Pronto. Está na mídia.

Em uma canetada, inventam-se bizarrices, mirando o alvo de sempre. Em certo momento, proíbe-se o saleiro à mesa. Depois, o canudinho de plástico. Lá pelas tantas, gestores e funcionários de bufês self-service são obrigados a colocar plaquinhas indicando em cada prato o que há de calorias, glúten, lactose etc.

Na pandemia, vimos isso recorrentemente. Em um estalar de dedos, de algum gabinete emergia a ordem para fechar os estabelecimentos. Como se não houvesse amanhã, as cobranças não paravam de chegar: água, luz, telefone, IPTU, ISS, ICMS, INSS, FGTS dos funcionários, Imposto de Renda, Contribuição Sobre o Lucro Líquido, PIS/Confins. Despareceram do mapa nacional 350 mil negócios do setor.

Nestes belos trópicos, o problema maior não é o tamanho da carga tributária. É que, sem mais nem menos, ouve-se o coronel: "Água gratuita à mesa. Penalidade: multa de até R$ 8.000". Eis o Estado servindo muito a si mesmo. Metade da população sem coleta de esgoto, 35 milhões de pessoas sem água tratada. País afora, metade das escolas do ensino infantil sem acesso à água encanada, como apontou o Censo Escolar de 2018.

Vem a lei federal isentando as atividades de baixo risco. A maioria dos municípios, olimpicamente, a ignora. E os bares e restaurantes têm de servir água de graça. Em coro, a uma só voz, os 650 mil empreendedores sobreviventes da pandemia dizem: "Não!".

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