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Felipe Durante

A China nunca está certa

O problema, para os EUA, é que o gigante se mostra imparável

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Felipe Durante

Diretor de engenharia industrial e youtuber, mora na China há quatro anos

"A China nunca está certa!". Não importa o que o governo de Pequim faça, a mídia ocidental quase sempre constrói uma narrativa em que os chineses são retratados como vilões ou negligentes. Basta observar o quanto, nos últimos anos, temos assistido a uma crescente propaganda negativa —em especial dos Estados Unidos. Essa propaganda chega de diversas formas, como discursos de políticos, reportagens na mídia e campanhas publicitárias. Mas por que os EUA estão propagandeando tanto contra o gigante asiático?

A resposta para essa pergunta é complexa e envolve vários fatores. Um dos principais motivos é a crescente rivalidade geopolítica entre as duas potências. Os EUA têm visto a ascensão da China com desconfiança e temem que ela possa tomar a sua hegemonia global. Além disso, alegam preocupações com relação à política interna, como a falta de liberdade de expressão e o tratamento dado aos direitos humanos.

A ByteDance, dona do TikTok, sofre com a desconfiança do governo norte-americano desde o mandato do ex-presidente dos EUA Donald Trump - Olivier Douliery/AFP - AFP

Na verdade, muitos desses problemas apontados podemos constatar abertamente em território estadunidense. Por exemplo, de acordo com o U.S. Press Freedom Tracker, 286 jornalistas foram presos ou processados nos EUA entre 2013 e 2023. O que nos faz pensar que essas "preocupações" têm sido exploradas pelos políticos americanos para justificar uma postura mais agressiva em relação a Pequim. E a propaganda tem sido uma ferramenta importante nesse sentido, muitas vezes apelando para o medo e a demonização do país asiático.

Um exemplo disso é a campanha publicitária lançada pelo governo dos EUA em 2020 intitulada "China Lied, People Died" ("A China Mentiu, Pessoas Morreram"), que visava responsabilizar o país pela pandemia de Covid-19. A campanha usava um tom acusatório e simplista, afirmando que os chineses haviam mentido sobre a origem e a gravidade do vírus e que, por isso, eram responsáveis pelo número de mortes em todo o mundo. O objetivo era criar um sentimento anti-China na população estadunidense e legitimar a postura mais agressiva do governo em relação ao país asiático.

Outra forma de propaganda é a difamação cultural. Os EUA têm utilizado exemplos da cultura popular chinesa para representá-la negativamente. Desde a estereotipação de personagens em filmes até as recentes notícias que alegam que a China estaria utilizando seu "soft power" para doutrinar a juventude ocidental através do TikTok.

A propaganda contra a China também tem sido utilizada para justificar uma série de medidas econômicas e comerciais. Em 2018, os EUA lançaram um conjunto de tarifas sobre produtos chineses, alegando que Pequim estava praticando comércio injusto e roubando propriedade intelectual. Essa medida foi acompanhada de uma intensa campanha, que retratava o país como um inimigo econômico que ameaçava a prosperidade norte-americana.

Aparentemente, no entanto, tal visão simplista não leva em conta sequer a complexidade das relações comerciais entre as duas potências. A China é um importante parceiro comercial dos EUA, e muitas empresas deste país dependem das exportações para o mercado chinês. Além disso, as tarifas acabaram prejudicando não apenas a economia chinesa, mas também a americana, com o aumento dos preços e a redução de empregos.

O CEO do TikTok, Shou Zi Crew, é interrogado no Congresso americano; parte dos congressistas quer banir o aplicativo nos EUA - REUTERS

Outra questão importante é a geopolítica internacional e a influência chinesa em outras nações. Os EUA temem que a China esteja buscando expandir sua esfera de influência e que isso possa minar a sua própria posição como superpotência mundial. Por isso, o discurso anti-China muitas vezes é usado para justificar uma postura mais dura em relação a países que mantêm relações próximas com o gigante asiático.

Isso pode ser visto, por exemplo, na postura do governo americano em relação ao Brasil. Nos últimos anos, a China se tornou um importante parceiro comercial e investidor, o que tem incomodado os EUA. Em resposta, políticos e analistas americanos têm propagandeado a ideia de que a aproximação do Brasil com a China é uma ameaça à soberania e segurança nacional do nosso país.

Acredito que, enquanto a China continuar crescendo, o que deve se manter num futuro próximo, veremos Washington antagonizando Pequim cada vez mais, numa tentativa de frear este avanço. O problema, para os Estados Unidos, é que a China se mostra imparável.

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