Tsunami de Covid recua na China, em misto de alívio e ansiedade para população

Regime comunista e cidadãos priorizam retomada econômica, enquanto setor rural segue ponto de preocupação

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Chris Buckley Amy Chang Chien
The New York Times

Quando a China abandonou a política de Covid zero, acelerando surtos de infecções e mortes, muitos temeram uma maré prolongada nas cidades e em aldeias. Dois meses depois, o pior parece ter passado, e o regime está ansioso para mudar o foco para a recuperação econômica.

Médicos que foram mobilizados em toda a China para tratar uma enxurrada de casos de Covid dizem em entrevistas que o número de pacientes que estão atendendo agora caiu.

Cidades e vilarejos que assistiam a um surto de infecções e funerais estão voltando à vida. Autoridades de saúde declararam que os casos de Covid atingiram o pico no final de dezembro de 2022.

Motociclistas em ponte no lago Lancang, na cidade de Jinghong, na província chinesa de Yunnan
Motociclistas em ponte no lago Lancang, na cidade de Jinghong, na província chinesa de Yunnan - Noel Celis - 9.jan.23/AFP

"Agora a pandemia já está sendo esquecida", diz Gao Xiaobin, médico nos arredores de uma pequena cidade de Anhui, no leste da China. "Ninguém está usando máscaras em lugar nenhum. Isso tudo acabou."

O verdadeiro custo do surto é difícil de traçar, com infecções e mortes encobertas por censura e coleta de dados deficiente. Oficialmente, a China relatou quase 79 mil óbitos relacionados à Covid desde 8 de dezembro. Mas especialistas dizem ser uma subestimação drástica, pois exclui mortes fora de hospitais.

O Partido Comunista espera superar essas questões e se concentrar em reanimar a economia chinesa, abalada pelos lockdowns. Restabelecer o crescimento pode ajudar a reparar a imagem de seu líder, Xi Jinping, prejudicada após três anos de políticas rigorosas de Covid zero –que em grande parte contiveram o vírus, mas estrangularam a economia– e seu abandono abrupto e confuso em dezembro.

A posição do regime dependerá muito de sua capacidade de gerar empregos, inclusive para um grande grupo de jovens e graduados desempregados. Xi deu uma declaração positiva, mesmo reconhecendo que os surtos de Covid continuam preocupantes. "O amanhecer está logo à frente", disse ele num discurso em 20 de janeiro, pouco antes do feriado do Ano-Novo Lunar.

Líderes locais declararam, um após outro, que as infecções atingiram o pico em suas áreas. Algumas das regiões de maior vitalidade econômica emitiram planos para restaurar a confiança nos negócios. Falando sobre a revitalização econômica na semana passada para centenas de autoridades, Huang Kunming, líder do Partido Comunista na província de Guangdong, no sul da China, não mencionou a pandemia.

O governo procurou moldar a narrativa sobre o surto, limitando informações e censurando críticas à sua resposta. Ainda assim, a raiva aumentou com a falta de medicamentos básicos e a ocultação do número de mortes por Covid, enquanto filas em funerárias aumentavam, e necrotérios transbordavam de corpos.

Mas, para muitos chineses, o imperativo de superar a pandemia e ganhar a vida pode, afinal, ofuscar suas mazelas. Muitos dizem que estavam mais preocupados em encontrar trabalho, reconstruir negócios e garantir um futuro para seus filhos. "As pessoas nem falam mais sobre a Covid", diz Zhao Xuqian, 30, que relata ter perdido seu último emprego em uma fábrica de farinha em Zhengzhou, no centro do país, e voltou para sua aldeia natal na província de Anhui. Ele estava pensando em encontrar um novo emprego nas próximas semanas. "O ano novo começou. Devemos esquecer o passado e olhar para a frente."

Enquanto as autoridades médicas chinesas sinalizavam que as infecções estavam caindo, também alertaram que o país continua vulnerável a novos surtos, especialmente nas áreas rurais, onde os serviços médicos são muito mais escassos do que nas cidades.

"Um novo pico pode surgir nas áreas que carecem de médicos e remédios, aquelas –menos de 10% do país– que não completaram a imunização", disse Gao Fu, ex-diretor do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, à revista China Newsweek. "Peço a todos que reservem os recursos médicos mais importantes para os grupos de alto risco, pessoas idosas ou com doenças subjacentes."

Para limitar o número de novos surtos neste ano, a China também terá de administrar mais vacinas e doses de reforço, especialmente entre os idosos, e equipar melhor os hospitais para lidar com pacientes que ainda não tiveram Covid, dizem vários médicos e epidemiologistas.

A próxima onda talvez não seja tão volumosa, mas pode estar concentrada nos lugares vulneráveis e nas pessoas que conseguiram evitar a infecção no último surto. Algumas autoridades de saúde chinesas estimam que até 80% dos 1,4 bilhão de habitantes do país foram infectados no final de 2022 —outros pesquisadores são céticos quanto a essa estimativa, dizendo que mesmo com a rápida transmissibilidade da variante ômicron é improvável que ela infectasse tantas pessoas em tão pouco tempo.

"As projeções de mortes serão parcialmente determinadas por quão bem a China protegerá os que correm maior risco", diz Xi Chen, professor associado da Escola de Saúde Pública de Yale que monitorou a Covid na China. Os surtos no país se multiplicaram no final do ano passado, quando a variante ômicron, de rápida expansão, perturbou exércitos de autoridades locais que impunham bloqueios e restrições a viagens. O aumento se transformou em um tsunami depois que Xi suspendeu as restrições à pandemia, aparentemente abalado por protestos em todo o país e pelo aprofundamento da crise econômica.

O número oficial de mortos na China fica muito aquém das projeções iniciais de especialistas como Bill Hanage, professor associado de epidemiologia da Escola de Saúde Pública T. H. Chan em Harvard. Ele havia estimado anteriormente que a erupção da Covid na China poderia causar 2 milhões de mortes.

"Acho que não temos nenhuma ideia do que realmente aconteceu, além da suposição razoável de que os números reais são muito maiores do que os oficiais", diz. Em vez disso, os chineses construíram um mosaico de impressões e histórias sobre como suas cidades natais se saíram.

Lu Xiaozhou, um escritor da província de Hubei, no centro da China, afirmou em uma rede social que 10 a cada 20 residentes mais velhos morreram em sua aldeia natal, de vários milhares de pessoas, durante a recente onda de Covid, e isso "significa muita sorte".

Li Jing, um agricultor e ex-trabalhador migrante de Yulin, área rural no noroeste da China, disse que, embora seus parentes mais velhos tenham sobrevivido ao surto, outras famílias não tiveram a mesma sorte. "Tem havido muitos funerais no condado ultimamente, eu os vi", afirma ele. Questionado sobre o futuro, afirmou: "Agora não sinto nada. Só quero que tudo volte ao normal, só isso".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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