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Operação Castelinho: Estado deve reconhecer suas responsabilidades

É a chance de dar resposta em caso que expressa a violência policial no país

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Sorocaba (SP), 5 de março de 2002. Um ônibus e dois carros são interceptados por cem agentes da Polícia Militar. Após efetuarem mais de 700 disparos, policiais executam todos os 12 passageiros.

A versão oficial apresentada é a de que as 12 vítimas seriam membros da Primeiro Comando da Capital (PCC) e se dirigiam ao aeroporto daquela cidade para efetuar um roubo que poderia lhes render R$ 28 milhões. Após terem conhecimento do crime por meio do Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (Gradi), os policiais realizaram o cerco na rodovia conhecida como Castelinho. Ainda conforme a versão oficial, as vítimas estariam armadas e reagiram à abordagem, o que resultou em disparos contra o ônibus.

Investigações realizadas pelo Ministério Público comprovaram, no entanto, que a operação conhecida como "Castelinho" foi forjada por agentes estatais, inclusive de alto nível hierárquico, para fazer exatamente o que se fez: executar as 12 vítimas. A operação, classificada como um sucesso pelo então governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República, ocorreu cerca de um ano após as megarrebeliões em presídios no momento em que o Estado precisava demonstrar "pulso firme" contra o crime organizado.

Policiais militares na cena da Operação Castelinho, que terminou com 12 supostos integrantes do PCC mortos e um soldado ferido - Moacyr Lopes Junior - 5.mar.02/Folhapress - Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Passados 20 anos, a Operação Castelinho foi objeto de audiência pública realizada na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 8 de fevereiro. A sentença deverá ser publicada nos próximos meses.

A Defensoria Pública representa 43 familiares das 12 vítimas. São mães, irmãs, companheiras e filhos das vítimas que tiveram sua vida atravessada de forma violenta, gerando impactos de saúde física e mental que são sentidos até os dias de hoje. As famílias também se depararam com a conivência do sistema de Justiça com a violência policial. O que fazer quando quem tem o dever de proteger mata? A quem recorrer quando quem deve promover justiça viola sistematicamente o dever de investigar?

Essa inquietação está presente no discurso da irmã de um dos mortos ouvida na audiência: "Acredito que, quando a gente erra, a gente tem que assumir o nosso erro. Eu acredito que a Justiça é feita para isso, para a gente obter consertos, não injustiça. Então o que eu espero é isso; eu vim aqui em busca de justiça".

A promotora do caso, que participou como testemunha, contou detalhes apurados. Sumiço de gravações, não preservação do local do crime e testemunhas oculares da execução foram alguns dos elementos ressaltados por ela como essenciais para desvendar a farsa montada pela polícia. O jornalista Bruno Paes Manso, ouvido como perito, ressaltou que a estratégia de guerra ao crime levada a cabo pelo Estado —que tem nos homicídios praticados por policiais um de seus elementos principais— não só gera uma enorme quantidade de vítimas, injustiças e tragédias familiares como tem contribuído para a perda do controle das polícias militares pelos estados.

Com o processo na Corte Interamericana, o Estado brasileiro tem a chance de dar uma resposta diferente em um caso que expressa como se opera a violência policial no país. Trata-se da primeira denúncia sob a nova gestão do governo Lula. Em vez de esperar uma condenação internacional, o Estado pode reconhecer sua responsabilidade em ato público que contribua para a recuperação da confiança das vítimas em suas instituições. Foi o que fez recentemente a Colômbia no caso Rodriguez Vera. Pode, também, aprimorar os mecanismos de controle da atividade policial, fortalecendo ouvidorias externas, a participação das vítimas nas investigações e determinando a instalação de câmeras corporais nas fardas policiais.

No histórico discurso de posse, o ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos) disse que seu "maior compromisso será lutar contra a violência, sobretudo a violência estatal. Isso significa, dentre outras coisas, lutar contra o assassinato de jovens pobres e negros". Reconhecer a responsabilidade internacional na Operação Castelinho é demonstrar concretamente às vítimas de violência de Estado que elas existem e são importantes para todos nós.

Fernanda Penteado Balera
Antonio Jose Maffezoli Leite
Davi Quintanilha Failde de Azevedo
Surrailly Fernandes Youssef

Defensores públicos do estado de São Paulo

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