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Marcelo Issa

Justiça Eleitoral (ainda) sob ataque

PEC que anistia irregularidades de partidos consolida a impunidade total

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Marcelo Issa

Advogado e cientista político, é diretor-executivo do Transparência Partidária e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil

Apresentada no fim de março e assinada por 184 deputados, incluindo os líderes do governo e da oposição, a PEC 9/2023 é talvez a maior das muitas ameaças dirigidas à Justiça Eleitoral nos últimos anos. Aprovada, consolidará a total impunidade aos partidos políticos pelo descumprimento de determinações legais.

São apenas três artigos: um permite que os partidos recebam doações empresariais para pagar dívidas contraídas até agosto de 2015; outro estende para as eleições do ano passado as recorrentes anistias às siglas que não destinaram os valores previstos em lei para campanhas de mulheres e negros; e o terceiro, simplesmente, impede que a Justiça Eleitoral aplique qualquer penalidade às legendas por irregularidades nas prestações de contas partidárias e eleitorais ocorridas até a promulgação da proposta.

Os deputados José Guimarães (PT-CE) e Carlos Jordy (PL-RJ), respectivamente líderes do governo e da oposição - Elaine Menke e Michel Jesus/Câmara dos Deputados - Divulgação

Na prática, esse último artigo é tão avassalador que torna dispensável a previsão de mais uma anistia às agremiações que não destinaram os recursos devidos para campanhas de mulheres e pessoas negras. Ou seja, basta que seja aprovado esse dispositivo para que fiquem sem punição não só a falta de destinação de recursos para essas campanhas mas toda e qualquer irregularidade identificada nas contas dos partidos, tornando inócuos os exames e julgamentos realizados pela Justiça Eleitoral em obediência ao artigo 17 da Constituição.

A justificativa da proposta, assinada pelo deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), não faz nenhuma menção à anistia global das prestações de contas, que também é ignorada no parecer do relator Diego Coronel (PSD-BA). Ambos abordam apenas a permissão para recebimento de doações empresariais e a extensão da anistia em relação às candidaturas de mulheres e negros.

Sustentam que teria havido ofensa ao princípio da anualidade, que impede que a lei eleitoral seja modificada um ano antes das eleições, porque uma emenda de abril de 2022 inseriu na Constituição a obrigação dos partidos destinarem recursos para campanhas femininas. Ocorre, porém, que a regra é conhecida há pelo menos cinco anos.

Também alegam que as agremiações não teriam como saber se a regra teria abrangência nacional. Uma resolução do TSE, no entanto, esclarece desde 2021 que a norma tem de ser observada levando em conta o total de candidaturas da legenda em âmbito nacional.

Hoje os partidos brasileiros são custeados fundamentalmente com dinheiro público. Esses valores têm crescido exponencialmente e alcançaram quase R$ 6 bilhões em 2022.

Tal cenário demandaria o fortalecimento da Justiça Eleitoral e o aprimoramento de seus procedimentos de auditoria, que mesmo hoje são capazes de identificar inúmeras irregularidades, nas quais os partidos frequentemente reincidem, e que todos os anos levam à devolução de milhões de reais aos cofres públicos.

Mas o que se vê nos últimos anos é uma série de propostas legislativas para flexibilizar as regras de financiamento e aplicação desses recursos, restringir as prerrogativas da Justiça Eleitoral e dificultar a identificação de irregularidades.

No último dia 5 de abril, mais de 50 organizações enviaram uma carta aberta para cada um dos 184 deputados que assinaram a proposta de emenda constitucional da anistia. Não obtiveram resposta.

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