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Duda Salabert

Parlamento brasileiro troca soluções por likes

Encenações para redes sociais reforçam descrédito na classe política

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Duda Salabert

Primeira deputada federal (PDT-MG) trans do país, é professora de literatura

O Parlamento brasileiro está reduzido a gritos e encenações de péssima categoria, sempre filmadas por assessores de políticos, que utilizam tempos regimentais que poderiam ser melhor aproveitados em prol das discussões relevantes sobre os grandes problemas da nação.

Esse é o atual cenário político do país: parlamentares utilizam-se dos tempos destinados a sessões e comissões para produzir conteúdos próprios voltados exclusivamente para obter likes e popularidade nas redes sociais. Tal prática reflete falta de comprometimento com o dever de contribuir efetivamente para os debates e soluções que o país tanto necessita e achata o debate político.

A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) - Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Com a ascensão das redes sociais, o número de likes, compartilhamentos e seguidores se tornou uma métrica de popularidade e relevância. Alguns parlamentares têm utilizado esse ambiente virtual como palco principal de suas atividades políticas, deixando de lado suas obrigações. Essa prática tem transformado as sessões em reuniões intermináveis, com cenas vexatórias —como o episódio em que um senador tenta entregar um boneco de plástico, representando um feto, para um ministro de Estado com objetivo exclusivo de produzir conteúdo para sua própria rede social. O foco, neste e em vários outros casos, é gerar conteúdos polarizadores e sensacionalistas que são facilmente compartilhados, ignorando-se muitas vezes os temas que estão sendo discutidos e os avanços que o país tanto necessita.

É comum que em uma reunião oficial do Congresso (paga com dinheiro público) para, por exemplo, se discutir a saída do Brasil do mapa da fome, logo apareça alguém para falar de aborto, pessoas trans no esporte e a importância dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Isso acontece porque tudo que importa é o like e o engajamento de um vídeo postado fora de contexto.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE), à esq., exibe réplica de feto (no destaque) ao ministro Silvio Almeida (à dir.) - Pedro França/Agência Senado - Pedro França/Agência Senado

Nada contra as redes sociais e as chamadas "curtidas", mas os parlamentares são eleitos pelo povo para representá-lo e trabalhar pelo bem comum. Até porque a política é a arte de buscar consensos. Nossas responsabilidades incluem discutir propostas legislativas, fiscalizar o Poder Executivo e apresentar soluções para os problemas enfrentados pela sociedade. No entanto, muitos têm negligenciado essas obrigações, direcionando seus esforços exclusivamente para a busca de popularidade nas mídias sociais.

Essa utilização deturpada dos tempos parlamentares traz consigo consequências negativas significativas para a política e a sociedade brasileira. Em primeiro lugar, a falta de compromisso com a construção de debates e soluções reais afasta a população do processo político —cria-se uma sensação de descrença e desinteresse. A confiança na classe política já é frágil, e essa postura apenas reforça esse descrédito.

De peruca, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) ironiza mulheres transexuais em discurso no plenário da Câmara durante o Dia da Mulher - Reprodução - Reprodução

Além disso, a busca incessante por likes e o tratamento da política como mero entretenimento também geram um ambiente polarizado e tóxico nas redes sociais e nos Parlamentos, onde o debate saudável e a construção de consensos são substituídos, muitas vezes, por violência política.

É fundamental que a sociedade esteja atenta a essa situação problemática e exija uma postura mais comprometida dos seus representantes políticos. Estamos perdendo tempo, desperdiçando dinheiro público. Os congressistas precisam ser cobrados por essas ações.

Deputados do então PSL fazem lives em redes sociais durante votação de medida provisória em maio de 2019 - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

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