O debate sobre a regulação das plataformas de internet tem se intensificado no país nas últimas semanas. O projeto de lei 2.630/2020, o PL das Fake News, está no centro das atenções em Brasília. Um dos pontos centrais é que instituições ou órgãos públicos seriam responsáveis por aplicar as novas regras sobre transparência, dever de cuidado e mitigação de riscos sistêmicos.
Longe de ser um "Ministério da Verdade", pois a lei não cria mecanismos de definição do que é verdadeiro ou mentiroso (o que é inviável e indesejável), a proposta brasileira aproxima-se da Lei de Serviços Digitais na Europa. Lá, a Comissão Europeia terá poderes para iniciar investigações e processos sancionatórios. A mesma lógica tem sido adotada no Brasil, porém sem definições concretas de quem seria a autoridade supervisora.
Nesse cenário, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) iniciou uma campanha, junto a lideranças políticas, para ocupar esse papel. Circularam apresentações em PowerPoint da agência com argumentos favoráveis a ela. Diretores assinaram textos de opinião dizendo que, diante da escassez orçamentária, a Anatel já teria a estrutura institucional adequada para ser a autoridade de regulação das plataformas. O argumento orçamentário é insuficiente e há três aspectos que precisam ser considerados no debate público.
O primeiro é que as incompatibilidades são estruturais. Os problemas que a regulação busca endereçar dizem respeito a questões complexas envolvendo desinformação, liberdade de expressão, privacidade, transparência algorítmica, publicidade digital, entre outras. São temas ligados à camada de conteúdo da rede e que residem fora do horizonte de atuação da Anatel.
O segundo é que a Anatel é uma agência de regulação de mercados e proteção dos consumidores, com histórico complicado de efetividade. O Tribunal de Contas da União recentemente apontou ineficácia na fiscalização da agência, ocasionando prejuízos à implementação das políticas públicas e à credibilidade fiscalizatória do país. Não é uma agência focada em direitos e sistemas de prevenção de riscos.
O terceiro é que a Anatel surgiu com apoio técnico da União Internacional de Telecomunicações (UIT) e com uma visão específica de participação na regulação. No entanto, essa visão resume-se a garantir conselhos e mecanismos de participação da sociedade civil que não se aproximam, em essência, do multissetorialismo defendido pela ONU e pela experiência do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Dizer que a Anatel não está bem posicionada para ser a autoridade não significa excluí-la de um arranjo ou sistema inovador de garantia de direitos. Como foi proposto recentemente pela OAB, a Anatel pode, junto ao CGI.br, à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e a outros órgãos, formar uma estrutura de conselho para garantir a aplicação da lei e bons processos sancionatórios. Neste caso, a união faz a força.
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