Após longa queda de braço com a Câmara dos Deputados, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfim aprovou no Congresso Nacional a medida provisória que estabeleceu a organização básica dos órgãos da Presidência e dos ministérios na gestão do petista.
Não era pouco o que estava em jogo. Eventual derrota implicaria a reforma da estrutura ministerial cinco meses depois de iniciado o mandato. Desapareceriam pastas oriundas da caneta de Lula e ressurgiria na Esplanada o desenho que lhe dera Jair Bolsonaro (PL).
Para usar uma metáfora ao gosto do presidente, seu governo venceu com um gol nos últimos minutos do segundo tempo —de fato, quando o Senado aprovou a medida por 51 a 19, faltavam poucas horas para que ela perdesse a validade.
O placar da votação, como às vezes também se dá no futebol, esconde mais do que revela. Sobretudo durante a tramitação na Câmara, o governo sofreu pressão incessante do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Conhecendo a tibieza na articulação política do Planalto, o deputado aproveitou para colher o máximo de vantagens.
Conseguiu, por exemplo, que Lula lhe telefonasse para ouvir queixas dos deputados. Obteve, além disso, a promessa de que o governo aceleraria a nomeação de cargos para o segundo e o terceiro escalão da máquina administrativa.
Acima de tudo, Lira conquistou a liberação de R$ 1,7 bilhão em emendas, montante recorde para um único dia na gestão do petista.
Não será estranho se alguém no governo federal disser que se sentiu no meio de um sequestro: foi somente após o pagamento dessa espécie de resgate que a medida provisória foi aprovada por 337 a 125 entre os deputados.
Pior para o Planalto, os custos não se limitaram à dinheirama e à distribuição de cargos; ainda entrou na negociação o conteúdo da medida provisória. Para regozijo de forças retrógradas e adversárias de uma agenda verde, as pastas que mais sofreram foram a dos Povos Indígenas e a do Meio Ambiente.
Saciar o apetite de Lira, contudo, não é tarefa fácil. Sem ter a medida provisória como refém, o presidente da Câmara buscou nova maneira de espicaçar o governo. Segundo consta, pretende barrar projetos do interesse de Lula até que os deputados se sintam prestigiados.
Em meio a essa refrega, a Polícia Federal realizou uma operação que mirou aliados de Lira. O deputado suspeitou da coincidência e quis saber do governo se havia relação com os eventos políticos.
Ouviu resposta negativa, mas os efeitos do episódio são incertos, sobretudo quando se tem um governo de base frágil e um presidente da Câmara cada vez mais apaixonado pelo próprio poder.
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