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Adib Kassouf Sad

Juízes devem usar inteligência artificial para fundamentar decisões? NÃO

Importante lembrar que robôs não se comovem com a realidade social

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Adib Kassouf Sad

Advogado, é vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências

A tecnologia aponta caminhos para o futuro, quando não o transforma em presente. Ao mesmo tempo em que a velocidade das criações e descobertas encantam, também atemorizam e preocupam em virtude do absoluto desconhecimento das reais consequências de tal evolução. Quer-se crer que a humanidade possa se beneficiar da inteligência artificial, mas espera-se que não seja substituída por ela. No campo específico do direito, a sensibilidade humana não pode estar fora das relações entre partes e julgadores, da construção dos argumentos de defesa e acusação, de ponderações e de improvisações tantas vezes necessárias.

Neste momento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua Comissão de Tecnologia da Informação e Inovação, elabora um parecer sobre o uso do ChatGPT por juízes na fundamentação de decisões. Paralelamente, o Conselho Nacional do Ministério Público prepara uma resolução para regulamentar o uso da ferramenta por promotores e procuradores na produção de peças jurídicas.

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Tela de computador com ilustração de Diana, nome dado ao programa de inteligência artificial do escritório Lee, Brock e Camargo Advogados - Jardiel Carvalho - 22.jan.2020/Folhapress - Folhapress

Nada contra contar com a eficiência da inteligência artificial para pesquisar, organizar, separar, verificar, orientar e agilizar processos, mas não se confia na sua capacidade de julgar. Ninguém quer ser representado ou julgado por um robô.

Há estudiosos que prevejam o fim da advocacia como ela é hoje, com a habilidade estratégica baseada em algoritmos substituindo o conhecimento erudito e a capacidade de argumentação. Empresas de tecnologia descobrem qual a chance de um processo ser exitoso se adotada determinada linha. Claro está que casos paradigmáticos e repetitivos estão sujeitos a decisões paradigmáticas e repetitivas, mas, particularmente, vejo isso mais como exemplo de paciência do que de inteligência.

É fato que, na advocacia, a inteligência artificial ganha cada vez mais relevância nas chamadas causas de massa, que abrangem grande número de pessoas com pleitos praticamente idênticos, em que não pesam as particularidades de cada cliente. É necessário, portanto, diferenciar processos mecânicos de processos humanos. Toda vez que um processo exigir humanidade, e o processo-crime talvez seja o melhor exemplo, ele nunca será da categoria de massa.

Algoritmos podem indicar ao advogado quais elementos devem ser incluídos em determinada petição, mas isso não elimina sua função criativa, a importância da oratória e a sua capacidade de decidir na busca pelo justo no caso concreto.

No Judiciário brasileiro, há bastante tempo programas de computador vêm agilizando processos —é inegável—, seja com o robô Elis, para triagem de processos de execução fiscal, seja com o robô Sinapses, que possui um banco de dados de dezenas de milhares de despachos, sentenças e julgamentos e que agrupa decisões sobre um mesmo tema.

Corremos aqui o risco de ter citado ferramentas que, num piscar de olhos, estejam superadas, se é que já não estão.

Importante lembrar que robôs não se comovem com a realidade social. O sistema criminal americano utiliza —ou utilizou— um algoritmo denominado Compas, que auxilia juízes a determinar se um réu deve permanecer preso ou aguardar o julgamento em liberdade. Em síntese, o programa avalia o histórico do acusado e compara-o com o de outros, conferindo-lhe uma "pontuação de risco". A análise leva em conta, entre outros fatores, o número de vezes em que o réu foi abordado ou detido pela polícia. Desnecessário explicar por que réus negros são prejudicados pelo Compas, em absurdo panorama discriminatório.

O Judiciário pode, e deve, contar com a inteligência artificial para agilizar processos, mas nunca comprar atalhos para resolver seus problemas. Ademais, não se deve tratar o direito como fato bruto, condicionado a critérios empíricos e que dispense a interpretação humana à criteriosa análise do justo no caso concreto. Ainda que a inteligência artificial funcione em vários aspectos, gostaríamos de viver num mundo no qual nossos direitos fossem defendidos e julgados sem a presença humana?

A resposta, até o momento, mesmo diante das misérias humanas, parece ser negativa.

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