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Artur Marques da Silva Filho

O projeto que altera as regras de concursos públicos é positivo? NÃO

Entrevistas pessoais e prova a distância podem ferir o princípio de imparcialidade e lisura dos concursos

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Artur Marques da Silva Filho

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), é doutor em direito pela USP, livre-docente pela Unesp, professor da PUC-Campinas e presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (Afpesp)

A estabilidade no serviço público a partir de 1934 sempre constou nas Constituições brasileiras. Na atual, repete-se no Artigo 41, atendendo a um preceito global das nações democráticas: o de tornar o funcionalismo imune à alternância partidária e ideológica nos governos e às influências políticas e interesses de grupos. Resguarda-se, assim, o direito da população a serviços eficazes e isonômicos.

Para que essa condição seja garantida, também é essencial que a contratação dos servidores se baseie em critérios técnicos, conhecimento e capacitação, sem nenhuma interferência de políticos, autoridades ou segmentos da sociedade e do poder econômico. Daí o significado e a fundamentação dos concursos públicos. O primeiro deles, organizado de modo semelhante ao que há atualmente, realizou-se em 1937, quando cerca de 5.000 candidatos disputaram vagas no então Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi).

Com o tempo, muitos aperfeiçoamentos verificaram-se no âmbito dos concursos públicos, essenciais à admissão de profissionais capacitados à prestação de serviços aos brasileiros. Estamos falando, entre outros, de professores, médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, delegados de polícia, investigadores e outras carreiras da segurança, fiscais, engenheiros, geólogos, magistrados, cartorários dos fóruns, promotores, defensores públicos, procuradores, técnicos e atendentes da Previdência, economistas e todo o pessoal especializado que provê suporte administrativo às distintas áreas.

Considerada a importância dos concursos, é louvável a intenção do atual governo de promover o seu aperfeiçoamento, a partir do projeto de lei 2.258/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados. Trata-se de substitutivo ao PL 92/2000 do Senado, que agora precisa ratificar a matéria. A incorporação de tecnologia para melhorar os processos de seleção, a ampliação da diversidade nos grupos de candidatos e a melhor adequação dos conteúdos e focos de conhecimento específicos para cada carreira são avanços relevantes.

Funcionária de escola pública estadual de São Paulo durante a pandemia de Covid - Rubens Cavallari - 3.nov.20/Folhapress

Porém, outras possibilidades em discussão, a exemplo de entrevistas e treinamento prático supervisionado como requisitos para admissão, precisam ser mais bem analisados, pois podem submeter os candidatos ao julgamento subjetivo de terceiros, ao contrário do que ocorre com gabaritos padronizados para todos os concorrentes e critérios objetivos dos exames. É difícil garantir imunidade integral a avaliações de caráter pessoal.

Outro ponto questionável encontra-se no artigo 8º do PL, que prevê a possibilidade de realização de provas online a distância. O texto, porém, não especifica como seriam esses exames nem a estrutura para sua realização e fiscalização. Sem a garantia de um sistema cibernético adequado e asseguração de que as condições tecnológicas sejam iguais para todos os candidatos, há risco de fraudes e injustiça nos resultados.

O modelo de contratação dos profissionais para a prestação de serviços à sociedade deve ser sempre melhorado e aprimorado, em linha com as transformações socioeconômicas e os avanços da tecnologia e das estruturas laborais. No entanto, é preciso preservar totalmente a integridade, a imparcialidade e a lisura do concurso público, principal fator para que o funcionalismo não trabalhe para governos e, sim, para o povo.

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