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Patrícia Pinho e Bibiana Garrido

Prepare-se para um planeta mais quente já em 2024

Com El Niño, necessidade de adaptação bate à porta antes do esperado

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Patrícia Pinho

Autora-líder no relatório especial do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) sobre o superaquecimento global de 1,5°C e seus impactos, é diretora-adjunta de pesquisa no Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)

Bibiana Garrido

Jornalista e mestre em comunicação, trabalha com jornalismo de ciência no Ipam

Após três anos consecutivos sob as regras do fenômeno La Niña, que tende a resfriar os oceanos, o retorno do El Niño, esperado para o segundo semestre deste ano, pode significar um novo salto na temperatura média global em 2024 e ultrapassar, pela primeira vez, o limite de 1,5°C estabelecido no Acordo de Paris.

A necessidade de adaptação bate à porta muito antes do esperado. Em 2013, o melhor cenário calculado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) considerava alta de 1,5°C até 2100 —e o pior previa 5°C no final do século. Em 2018, novo relatório encurtou o prazo para 2040. Em 2021, o painel acendeu o alerta para 2030.

Usina hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, com nível extremamente seco no fim de 2015 - Marcello Casal Jr. - 9.dez.15/Agência Brasil

O aumento na temperatura média global, hoje no Brasil 1,15°C acima do período pré-industrial, é causado por atividades humanas emissoras de gases superaquecedores da atmosfera. Mesmo com o La Niña, os últimos oito anos foram os mais quentes desde 1880, quando começaram os registros. O primeiro da lista, 2016, teve um El Niño intenso.

Cidades no Brasil e no mundo não estão preparadas para o que esse aumento significa: o 1,5°C se traduz, em algumas localidades, a mais 4°C ou 5°C —que colocariam em xeque a sobrevivência e a manutenção de ecossistemas inteiros. A consequência direta é a maior frequência e intensidade na ocorrência de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas severas e chuvas com risco de alagamentos e inundações.

Ainda que pareçam intangíveis, os efeitos das mudanças climáticas se materializam na experiência. O calor excessivo, por exemplo, afeta modos de vida e produção, como agricultura e pesca, além de reduzir a produtividade do trabalho; também piora a saúde, com maior incidência de doenças cardiorrespiratórias e aumento de suicídios.

O primeiro passo para preparar áreas rurais e urbanas pode estar na elaboração e implementação de planos municipais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A análise regionalizada oferece subsídios para entender o nível de exposição aos riscos —dada as vulnerabilidades existentes nos ecossistemas e na sociedade— e elencar as medidas necessárias para prevenir e reduzir danos.

A depender do contexto local, a adaptação deve incluir políticas básicas de habitação, drenagem, saneamento, abastecimento de água, recuperação e proteção das margens de rios, arborização e expansão de áreas verdes, climatização de prédios públicos —hospitais, penitenciárias, escolas— e do transporte público.

Pessoas em situação de vulnerabilidade imposta pelas desigualdades do atual sistema econômico serão as mais afetadas. As condições para enfrentar o futuro próximo definirão o limiar entre suportável e letal.

É para o ser humano assim como é para a Terra: há um limite de adaptação. Adequar cidades e sistemas de transporte ao novo momento da emergência climática ameniza o sintoma, mas cortar as emissões dos gases superaquecedores trata a origem da doença.

Considerados alarmantes, relatórios de grupos como o IPCC são, na verdade, conservadores diante da realidade que já impacta e tira vidas. O rigor e a busca por concordância científica e política junto a governos ainda deixam de lado questões que precisam ser enfrentadas urgentemente, como modelos econômicos ultrapassados e hábitos de consumo que não mais condizem com a permanência humana no planeta, tampouco com a justiça social e climática de que precisamos.

Se as previsões de um El Niño forte neste ano se consolidarem, 2024 seria apenas o primeiro "strike" para o 1,5°C. No ano que vem, o aumento pode prevalecer por alguns meses e retroceder com a volta do La Niña, mas as oscilações seguem escala ascendente. Isso significa que, uma vez atingido o patamar, devemos avançar e recuar algumas vezes antes de chegar —espera-se que não— ao próximo nível do superaquecimento global.

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