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Giovanni Mockus

Desenvolvimento sustentável precisa ser levado a sério

Exploração de petróleo na Foz do Amazonas é ideia desconectada do mundo atual

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Giovanni Mockus

Gestor de políticas públicas (UnB), é coordenador nacional de organização da Rede Sustentabilidade

Vivemos hoje a era do desenvolvimento sustentável, marcada por um cenário no qual as economias globais focam em se atualizar a partir do alinhamento de suas responsabilidades econômica, social e ambiental.

Dentro dessa realidade, quem se diz comprometido com o crescimento sustentável, mas defende modelos não sustentáveis, corre o grave risco de permear uma hipocrisia que não será mais tolerada. Nesse sentido, a linha defendida pela Petrobras, favorável à exploração de petróleo e gás na Foz do Rio Amazonas, deve ser encarada como totalmente absurda e desconexa com o mundo atual e os desafios deste século, ainda mais se levarmos em conta o discurso e o programa de governo do presidente Lula e da Frente Ampla, que estabelece a sustentabilidade como política transversal para a reconstrução do país.

A despeito do alto risco para o planeta, a dependência da nossa sociedade por combustíveis fósseis ainda é fato —e não podemos simplesmente ignorar isso. Mas é preciso, urgentemente, pensar em formas de migrarmos para uma matriz energética mais limpa, seja por uma consciência de sobrevivência ou por oportunidade de evolução: assim como deixamos a Idade da Pedra, apesar das pedras ainda serem abundantes em nosso planeta, chegou o momento de evoluirmos para um mundo cada vez menos dependente dos combustíveis fósseis.

Foz do rio Amazonas
A foz do Amazonas, na costa do Brasil e da Guiana Francesa - Elsa Palito/Greenpeace Brasil - Elsa Palito/Greenpeace Brasil

Um dos caminhos que, certamente, levaria o Brasil a uma transição mais rápida para uma matriz energética menos poluente seria atualizar a Petrobras com o século 21. Não é mais cabível, hoje, que a Petrobras continue a operar apenas como uma empresa de exploração de petróleo. Sua atuação deve ser dentro de um escopo mais amplo: uma empresa brasileira de energias; que, inclusive, use os recursos financeiros vindos da atual extração do petróleo para investir em pesquisa, desenvolvimento e implementação de energias limpas, reduzindo assim, gradativamente, o impacto de suas atividades no meio ambiente.

Ainda que pese o impacto econômico positivo que a distribuição dos royalties do petróleo teria nos estados da margem equatorial, o risco de se explorar de forma não sustentável uma região tão vital para o planeta é, obviamente, enorme. O rio Amazonas despeja anualmente 17% do total mundial de água continental e sedimentos em suspensão nos oceanos que abastece áreas até do Caribe, o que dá ideia da dimensão que um eventual vazamento de petróleo pode provocar.

Como contraproposta a esse ganho baseado em um risco imensurável, há a exploração sustentável da floresta. Mesmo sendo a maior área verde tropical do mundo, a Amazônia tem ainda uma participação ínfima no mercado global de produtos alinhados à conservação ambiental deste bioma. Uma análise da iniciativa Amazônia 2030 mostra que a Amazônia Legal, que representa quase um terço da área de vegetação tropical do planeta, responde por apenas 0,17% das vendas internacionais que ajudam a preservar as florestas tropicais. Esse montante poderia crescer com iniciativas que priorizem a economia verde e a floresta em pé.

A Casa Civil, alinhada com o presidente Lula, já arbitrou à favor da decisão técnica do Ibama em negar a licença. Caso o projeto da Petrobras prosperasse, o governo certamente sofreria represálias econômicas e políticas, com consequente isolamento pela comunidade internacional, colocando em risco, inclusive, o Fundo Amazônia e outras iniciativas globais de preservação ambiental e combate às mudanças do clima.

Infelizmente é preciso pontuar que essa hipótese ainda não está descartada. Não pela já afastada possibilidade de se explorar petróleo na Foz do Amazonas, mas pela recente e absurda decisão do Congresso Nacional em esvaziar competências essenciais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, bem como do Ministério dos Povos Indígenas, por meio de alterações na medida provisória 1.154/23, bem como a aprovação do projeto de lei 490/07, que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil.

Já passou da hora de o governo federal, das lideranças políticas e partidos, assim como toda a sociedade civil, levar mais a sério a importância do desenvolvimento sustentável. Iniciativas como a da Petrobras e as recentes decisões do Congresso Nacional ferem de morte a diretriz de um Estado que se reconstrói no pilar da sustentabilidade transversal e que vem usando disso como passaporte para a retomada de suas relações diplomáticas e exercício da liderança do país no atual contexto geopolítico global.

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