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Canetada infeliz

Confusão gerada por Lula no marco do saneamento aumenta insegurança jurídica

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Gabriela Biló/Folhapress

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou em abril modificar, por decreto, a legislação que trata de serviços de água e esgoto, consolidada em 2020 no chamado marco legal do saneamento.

Em maio, parte das mudanças foi sustada por um decreto da Câmara, e a derrota política do governo estava para ser confirmada pelo Senado. No início deste mês, um acordo com senadores e deputados permitiu uma edição revisada dos decretos do Executivo.

As emendas melhoraram o teor da canetada inicial, mas alguns problemas permanecem. O voluntarismo atabalhoado e intervencionista deixou cicatrizes.

O governo quis tomar prerrogativas do Legislativo. Além do mais, transmitiu a mensagem de que a regulação econômica pode ser alterada ao arbítrio do Executivo, o que cria insegurança jurídica.

A mudança inopinada e sem a adequada fundamentação jurídica prejudica investimentos não apenas no saneamento, mas em todo o setor de infraestrutura, que depende de longo prazo de maturação para dar retorno. Assusta, enfim, quem em geral pretende firmar contratos com o setor público.

Com os novos decretos, foi derrubada a pretensão inicial do governo de permitir a companhias estaduais de saneamento a prestação direta do serviço sem licitação. Contudo permanece a facilitação para que empresas ainda atuem sem a devida comprovação de capacidade econômico-financeira.

O prazo de ajuste dos contratos irregulares de prestação de serviço foi prorrogado. Assim, empresas nessa situação também podem receber financiamentos públicos.

A prestação de serviços sem licitação feriria o espírito da legislação e a lógica econômica. Haverá mais recursos para o setor e atração de empresas se houver competição transparente. Mas o governo queria preservar algum estatismo.

O enfraquecimento do processo de comprovação de capacidade econômico-financeira pode permitir que companhias frágeis fiquem no negócio, sem capacidade de investir, ameaçando o processo de universalização, ou quase isso, que deveria ocorrer até 2033.

Houve uma diluição do marco, tanto em seu teor como em sua previsibilidade. Aperfeiçoamentos podem ser necessários, mesmo que a legislação tenha apenas três anos —ainda está mal resolvida, por exemplo, a prestação do serviço em regiões pobres e afastadas. Mas as modificações têm de tramitar legalmente e devem ser objeto de consultas técnicas.

Em suma, o governo até poderia ter contribuído para o aperfeiçoamento do marco, de modo comedido, técnico e consensual. Optou por uma canetada que deteriorou a lei e criou insegurança.

editoriais@grupofolha.com.br

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