Em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal absolveu o presidente Lula em todos os seus processos penais. Lembro-me do momento exato em que a maioria foi formada. Havia cinco votos em favor da suspeição de Sergio Moro quando chegou a vez da ministra Rosa Weber votar.
Na hora de absolver o presidente, o tribunal teve dificuldades de deixar uma mulher falar. Depois do voto de Luís Roberto Barroso, endossando a Lava Jato, Luiz Fux levantou objeções a que o julgamento continuasse. Com base no "número de votos ainda não proferidos", na complexidade das questões e no "adiantado da hora", encerrou a sessão e postergou o julgamento. Alguns ministros não aceitaram essa decisão. Ricardo Lewandowski pediu a palavra e adiantou o seu voto. Dias Toffoli e Cármen Lúcia fizeram o mesmo. Tudo isso na hora de Weber votar.
Durante essas intervenções, o computador de Weber perdeu por um breve momento a comunicação com o tribunal. Após Cármen Lúcia votar, Fux chama Rosa Weber, que "na sua ordem de votação não conseguiu se manifestar ainda". Neste momento, segue-se um diálogo registrado na transmissão da sessão:
Fux: Ministra Rosa, por gentileza.
Gilmar Mendes: Está desligado o microfone.
Toffoli: Eu penso que a gerência de áudio tem condições de liberar o áudio pela gestão de reunião.
Fux: Ministra Rosa, fale agora.
Weber: Presidente, eu estou com um problema técnico.
Fux: Agora está dando para ouvir.
Weber: O computador está trancado. Eu tenho que tentar aqui me organizar na minha máquina. Quem sabe Vossa Excelência colhe o voto do ministro Marco Aurélio e eu voto logo após... Porque a minha máquina está trancada.
Fux: Nós estamos conseguindo ouvi-la e vê-la.
Marco Aurélio: Presidente, uma ponderação, até pelo adiantado da hora.
Weber: Não, eu quero votar.
Marco Aurélio: Por que não deixarmos para retomar o julgamento na próxima quarta?
Fux: Eu estou de acordo. Ministra Rosa, Vossa Excelência me ouve?
Weber: Eu prefiro votar. Eu ouço e prefiro votar agora, mas me dê dois ou três minutos para o técnico aqui me...
Fux: Então eu vou acolher a sugestão da ministra Rosa, ministro Marco Aurélio, de lhe conceder a palavra...
Marco Aurélio: Conceder a mim?
Fux: É. Vossa Excelência . Pode votar até a ministra Rosa...
Marco Aurélio: Peço vista, presidente. Peço vista.
Weber: Ah, não.
Fux: É.
Weber: Presidente, eu já tenho condições de votar.
Fux: Ministra Rosa, Vossa Excelência me ouve?
Weber: Ouço e tenho condições de votar, presidente.
Fux: É que houve um fato superveniente. O ministro Marco Aurélio pediu vista.
Weber: Ministro Marco Aurélio, me perdoe, presidente, pediu vista?
Fux: Agora.
Weber: Em função de eu não ter votado na minha ordem. Eu voto antes do ministro Marco Aurélio. O meu voto é rápido, não mais do que cinco ou dez minutos.
Fux: Tá bem, mas e o...?
(Ministra Rosa Weber lê o seu voto).
Alguns não enxergarão aqui mais do que um comportamento estratégico que é habitual nos tribunais. Enxergo, porém, um caso típico de machismo estrutural. Enquanto Weber cedeu a vez para poupar os colegas de um atraso de três minutos, Marco Aurélio precisou de menos de um segundo para pedir vista dos autos, sabendo que com isso a ministra teria que esperar pelo menos uma semana para falar. Fux procedeu da mesma forma: invocou o "fato novo" para não deixar a colega votar. Alguém consegue imaginar o contrário? Alguém consegue imaginar a Rosa Weber ou a Cármen Lúcia tentando silenciar um ministro macho?
Quem leva a sério o machismo estrutural sabe que é difícil identificá-lo, e combatê-lo requer disposições que não são uniformemente distribuídas na sociedade. O grupo que sofre a violência estrutural terá mais condições de identificá-la. Somente se este grupo estiver presente nos colegiados mais importantes desse país é que o machismo estrutural será combatido por participantes que, como Rosa Weber, se farão respeitar.
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