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Danielle Hanna Rached e Denise Vitale

Lula e a política externa brasileira sobre o meio ambiente: central ou lateral?

Aceitar condicionalidades ambientais não é neocolonialismo

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Danielle Hanna Rached

Professora do Instituto de Relações Internacionais da USP

Denise Vitale

Professora da Universidade Federal da Bahia

O meio ambiente é a maior bandeira da política externa do terceiro mandato de Lula. Isso ficou claro na COP27: "Não há segurança climática sem uma Amazônia protegida".

O retorno de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente, figura central na redução histórica de 70% no desmatamento da Amazônia, reforçou a ideia de que o Brasil viraria liderança na área. Mas há problemas que precisam ser superados antes de reivindicarmos a posição de superpotência ambiental.

Em Paris, Lula expressou que os países ricos são os verdadeiros responsáveis pela emergência climática. Em razão da revolução industrial, são eles que deveriam arcar com a conta. Nas mídias sociais, o discurso foi tido como magistral. Lula teria "lacrado". No entanto, devemos analisar tal discurso com cautela.

Lula em Paris, no encontro sobre o novo pacto financeiro global - Lewis Joly/via Reuters

Lula invocou o princípio da responsabilidade comum mas diferenciada, inserido na Convenção Quadro sobre o Clima desde 1992. Tal princípio corresponde ao que mais se aproxima de uma justiça distributiva climática ao demandar que os países desenvolvidos liderem a resposta ao problema. O princípio causou ressentimento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os EUA não assinaram o Protocolo de Kyoto porque a China, como país em desenvolvimento, não teria qualquer compromisso. Foi esse mesmo princípio que não conseguiu evitar o aumento da temperatura global em 1,2º C até o momento.

Do ponto de vista geopolítico, fazia sentido aproximar os dois grupos. Isso foi tentado em 2015, pelo Acordo de Paris. Agora, todos são responsáveis por apresentar propostas para combater a crise climática. Tentar se afastar de responsabilidade não mais se sustenta. Somos o sétimo maior emissor de GEEs e em seis anos o mundo terá aumentado sua temperatura em 1,5ºC, limite a partir do qual estão previstos eventos mais catastróficos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.

A retórica sedutora de Lula é incompatível com seu discurso contrário aos compromissos ambientais extras no Acordo de Livre Comércio entre a UE e o Mercosul. A nova política industrial precisa definir o lugar da bioeconomia com a floresta em pé. Para que o discurso da política externa ambiental seja sólido, não é razoável que a exportação de madeira in natura para a China e que a exportação de petróleo cru continuem crescendo.

A agenda da reindustrialização deveria refletir a mesma prioridade ambiental do discurso da política externa. O compromisso ambiental com a Europa também poderia amarrar as mãos de um Congresso conservador, que considera suprapartidária somente matéria tributária e que esvaziou funções do MMA e do Ministério dos Povos Indígenas. Aceitar condicionalidades ambientais não é neocolonialismo —nada mais neocolonial hoje do que a reprimarização da economia brasileira expressa na balança comercial— e pode ser estratégico para um país que ambiciona posição de liderança para "cuidar do planeta".

Costa do estado do Amapá, na mira da indústria petrolífera internacional - Victor Moriyama/Greenpeace

A retórica também anda na contramão das críticas que o Ibama sofreu após indeferir o pedido de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. "Inadmissível", de acordo com o atual ministro de Minas e Energia. "O povo amapaense quer ter o direito de ser escutado", disse um Randolfe Rodrigues contrariado ao pedir sua desfiliação do partido de Marina Silva. Não é possível abrir mão do petróleo da noite para o dia, mas a transição para uma economia de baixo carbono precisa ser pautada por questões socioambientais.

Não podemos deixar que ruídos vindos do Congresso ou que tendências desenvolvimentistas do governo atrapalhem políticas essenciais como a do zero desmatamento na Amazônia até 2030. A floresta em pé é uma questão suprapartidária e aliada da nova industrialização fundada na biotecnologia. Isso é desenvolvimento sustentável.

O resto é proteção de interesses privados.

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