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Robson Cardoch Valdez

Transição energética e petrodólares: o que realmente veio para ficar?

Economia global está atrelada à dinâmica da dívida pública norte-americana

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Robson Cardoch Valdez

Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos/IREL-UnB

As mudanças climáticas trouxeram o tema da transição energética, que defende a necessidade de se pensar alternativas ao uso dos combustíveis fósseis como fonte primária de energia, para o centro do debate público. A partir daí, surgiram alternativas interessantes na geração de energia elétrica para impulsionar máquinas e transportes, como o uso do hidrogênio verde e da amônia verde. Não há dúvida de que esse debate é necessário, tendo em vista os impactos negativos da ação humana sobre o aumento da temperatura do planeta. Contudo, dentre os desafios elencados para essa transição energética (demanda, pesquisa, financiamento etc) não se discute o maior de todos: como mudar a economia global que está umbilicalmente lastreada no combustível fóssil via petrodólares?

O petroleiro SCF PRIME, com bandeira da Libéria, chega à Baía de Havana, em Cuba - Yamil Lage/AFP

O dólar norte-americano foi estabelecido como moeda de reserva mundial nos acordos de Bretton Woods (1944), onde se consagrou a conversibilidade dessa moeda em ouro. No entanto, diante do crescente endividamento dos EUA ao longo dos anos (agravado pela participação na Guerra da Coreia, Guerra do Vietnã etc), a desconfiança generalizada dos países em relação à capacidade dos americanos de honrarem seu compromisso de conversibilidade (ouro/dólar) levou o presidente Richard Nixon a dar um dos maiores calotes no sistema financeiro desde o final da Segunda Guerra Mundial ao abandonar unilateralmente esse compromisso, em 1971, fazendo com que a cotação das moedas dos demais países passasse a flutuar livremente.

Nesse vácuo de hegemonia monetária, no auge da crise do petróleo que atingiu o país, os Estados Unidos passavam por uma desgastante relação com os países árabes. A ajuda dos EUA aos israelenses na Guerra do Yom Kippur foi punida com embargo da Opep, que quadruplicou os preços do petróleo, levando inflação e destruição para a economia norte-americana. A saída diplomática na direção dos petrodólares envolveu, então, a diplomacia secreta dos EUA e do regime saudita.

A estrutura básica dos petrodólares é simples: os EUA comprariam petróleo da Arábia Saudita e forneceriam ajuda militar ao regime. Em contrapartida, a bilionária receita desses petrodólares seria reinvestida na compra de títulos da dívida pública dos EUA. Como principal exportador de petróleo e líder da Opep, os demais países desse cartel seguiram os sauditas. Dessa forma, é possível dizer que os petrodólares vêm sustentando, desde meados da década de 1970, as relações econômicas globais, o poder da moeda americana, bem como o atrelamento das moedas nacionais à moeda hegemônica, o dólar.

Não por acaso, qualquer arranjo bilateral ou multilateral que busque prescindir da utilização da moeda norte-americana nas trocas comerciais entre países tem a desaprovação automática dos Estados Unidos. Nos casos mais extremos, argumenta-se que a comercialização de petróleo em outras moedas, poderia até ser punida com a intervenção direta das Forças Armadas dos Estados Unidos e países aliados. Nesse sentido, é importante lembrar que o Iraque, em 2000, vendia petróleo aos países vizinhos em outras moedas. Coincidentemente, em 2003, o país foi invadido pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, sob o falso pretexto de que o Iraque detinha armas de destruição em massa, e o dólar voltou a ser a moeda nessas transações petrolíferas. Em 2022, a venda em rublos do petróleo e gás russos, no contexto da guerra russo-ucraniana tornou-se a afronta mais recente à hegemonia do dólar e que vem beneficiando sobremaneira Índia e China.

Assim, afirmações do tipo "a transição energética é uma realidade e veio para ficar" ou "os combustíveis fósseis estão com os dias contados" precisam ser confrontadas com o fato de que a economia global está fortemente atrelada à dinâmica de financiamento da dívida pública norte-americana via petrodólares com repercussões geopolíticas e geoeconômicas por todo o sistema internacional. Daí, a questão que se impõe é: se os combustíveis fósseis estão com os dias contados, o que acontecerá com todo esse sistema baseado na produção, refino e venda de petróleo que sustenta a hegemonia da moeda norte-americana?

TENDÊNCIAS / DEBATES
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