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Nabil Bonduki

Lei de zoneamento não é vale-tudo

Justiça de SP deveria paralisar o processo, que nem sequer tem um mapa

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Nabil Bonduki

Professor titular de planejamento urbano da USP, foi relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo de 2002 e 2014; representa a universidade no Conselho Municipal de Política Urbana

Pressionada pelo Legislativo municipal que, segundo seu presidente, Milton Leite (União-SP), quer receber ainda neste mês uma proposta de revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS, conhecida como lei de zoneamento), a Prefeitura de São Paulo colocou em consulta pública um simulacro de projeto de lei.

O texto apresentado pelo Executivo não resiste, do ponto de vista técnico e do processo de elaboração, a uma avaliação crítica que leve em conta:

Verticalização no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo - Eduardo Knapp/ Folhapress - Folhapress

1 - O conteúdo mínimo do que deve conter uma lei de uso e ocupação do solo, o instrumento urbanístico mais tradicional do Brasil. O PL nem sequer tem um mapa do novo zoneamento, embora seja evidente que ele existirá quando a lei for aprovada pela Câmara Municipal;

2 - O processo participativo, como determinam o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor Estratégico (PDE). O PL foi formulado sem a participação da sociedade após a sanção da revisão do PDE, em julho de 2023, que estabeleceu as diretrizes para a LPUOS. Não está articulado com os planos regionais das subprefeituras, como determina o artigo 345º do PDE.

A lei de zoneamento regulamenta o que pode ser construído em cada quarteirão da cidade, impactando o valor da terrenos, a rentabilidade dos empreendimentos, a paisagem urbana e a vida dos cidadãos. Define a altura máxima dos edifícios, o coeficiente de aproveitamento, as taxas de ocupação e de permeabilidade, os recuos mínimos, os usos permitidos e outras regras urbanísticas.

Enquanto o Plano Diretor estabelece os objetivos, diretrizes e estratégias de desenvolvimento da cidade, a lei de zoneamento, referenciada no PDE, detalha e especifica as regras de uso e ocupação em cada porção dos 1.500 km2 do município.

Como a tarefa é complexa, a iniciativa legislativa da LPUOS é privativa do Executivo. Apenas a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) reúne conhecimento da cidade, capacidade de avaliar a atual legislação, corpo técnico e recursos tecnológicos para elaborar essa lei com a isenção e competência necessárias para evitar que os interesses privados prevaleçam.

Mas está evidente que a base governista na Câmara Municipal quer, ela mesma, alterar o zoneamento, sem critérios técnicos e uma visão de conjunto da capital paulista. Para isso, precisa que o Executivo envie rapidamente um projeto de lei, qualquer que ele seja, para que os vereadores possam modificá-lo.
Esse roteiro repete o ocorrido na revisão do Plano Diretor. A prefeitura enviou à Câmara um PL que não gerava grandes polêmicas. Após meses de audiências públicas no Legislativo, o relator apresentou um substitutivo que alterava inteiramente a proposta original, aprovado um mês depois.

Agora piorou. A SMUL nem sequer pôde fazer uma avaliação técnica e participativa da atual LPUOS. Imediatamente após a sanção da revisão do PDE, açodada pela Câmara, apresentou uma minuta fake de revisão da LPUOS para ser debatida em cinco audiências públicas online, marcadas apenas para justificar um processo participativo inexistente.

Entre várias deficiências, o PL não tem mapas e quadros que delimitem e especifiquem as regras de uso e ocupação do solo que vigorarão em cada quarteirão da cidade. Como a população pode se manifestar se não sabe o que vai acontecer no bairro onde mora?

O grave é que as zonas deverão ser alteradas pela Câmara, pois a revisão do PDE modificou as diretrizes para a delimitação da ZEU (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana), região onde os edifícios não têm limite de altura.

Não é uma suposição. É uma evidência. Milton Leite afirmou ao portal Metrópoles em 10 de agosto: "Vamos mexer mesmo. (...) Não vai ser um técnico da prefeitura que vai opinar na vida do cidadão". O vereador declarou que não está dando importância para a proposta do Executivo: "A Câmara fará seu próprio processo".

Pela experiência recente, sabe-se o que será "o próprio processo" que o Legislativo fará: negociações opacas; atendimento seletivo de acordo com o poder econômico e político do interlocutor; ausência de critérios técnicos e de uma estratégia urbanística. Isso é inadmissível e uma vergonha para São Paulo!

Não existe zoneamento sem mapa. Esse projeto de lei é fake. A Justiça precisa paralisar esse processo para que ele possa recomeçar da maneira correta.

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