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Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Pedro Machado de Almeida Castro

Novamente o jogo dos números

Judiciário está digitalizado para que eles sejam bem utilizados e mensurados

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Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Pedro Machado de Almeida Castro

Advogados criminalistas

"A estatística é a tentativa de torturar os números até eles confessarem."

Há sete anos escrevemos aqui ("O perigoso jogo dos números", 22/6/16) para apontar o crescente uso da estatística na fundamentação judicial, seu risco e a necessidade de uma metodologia correta. Há época, números duvidosos eram utilizados para tentar justificar a prisão em segunda instância, a modificação do trânsito em julgado e afins.

O tema volta agora, em nova tentativa de apressar a prisão das pessoas. Desta vez, está em curso no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal análise sobre a possibilidade de execução imediata da pena nas ações julgadas pelo Tribunal do Júri. Ou seja, sem a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da ação penal, como ficou decidido para os demais crimes pela própria Suprema Corte. Novamente, o voto do ministro Luís Roberto Barroso (RE 1.235.340/SC) faz uso da estatística, mas os números não impressionam. Pelo contrário, parecem equivocados.

Restringindo-se ao Tribunal de Justiça de São Paulo em determinado período, o ministro, classificando como inexpressivo o percentual de modificações das decisões condenatórias do júri, afirma que seriam apenas 1,97% de um total de 15.411 sentenças, abstratamente consideradas.

Não é que o número esteja exatamente errado. O problema, como se vê, é a manipulação do discurso, numa conta de chegada, para justificar sua posição. Segundo Barroso, foram 305 sentenças anuladas a pedido da defesa, daí 1,97% do total de sentenças proferidas.

Ocorre que, como explicita o ministro, menos da metade das mais de 15 mil sentenças foram recorridas. O número assusta e pode ser explicado, dentre várias razões, pelo alto índice de casos com extinção da punibilidade naquele tribunal —67%—, como aponta diagnóstico do CNJ (2019) referente à período semelhante.

Tal diagnóstico aponta que houve 14% de condenações. Ora, por óbvio, o número que deve ser levado em conta, sobre as vitórias da defesa (305, segundo o ministro), diz respeito às decisões que ela tenha tido interesse em recorrer: 14% das 15.411 sentenças, o que nos dá um total de 2.158 condenações. Assim, não foram apenas 1,97% de êxito em recursos defensivos, mas 14,13%, o que é sete vezes mais. O sucesso, aliás, é praticamente o dobro das vitórias obtidas pela acusação (7,6%).

O Poder Judiciário está digitalizado o suficiente para que os números sejam corretamente utilizados e mensurados. Não há, na verdade, explicação alguma para ausência de dados precisos e transparência.

Tampouco da uniformização dessas informações, como aponta o diagnóstico do CNJ. A discrepância entre tribunais é gritante.

Do contrário, lembremo-nos do alerta de Daiana Ruttul: "Pelas estatísticas, o lugar mais perigoso é a cama, pois é onde mais se morre".

Se queremos nos utilizar de dados para fundamentar, ainda que parcialmente, uma decisão, é preciso o mínimo de ciência e disciplina. É tempo de que o alto gasto com servidores públicos seja sistematizado para que tenhamos dados corretos, precisos e completos. E que se faça bom uso da informação.

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