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Jurema Werneck

Marielle e Anderson: revelações trazem mais perguntas que respostas

Mesmo a eventual solução do caso não anula os cinco anos de inexplicável morosidade

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Jurema Werneck

Diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil

O assassinato de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, no dia 14 de março de 2018, fez ecoar três grandes perguntas: "Quem matou? Quem mandou matar? E por quê?". Sem respostas, as questões semearam dezenas de novas indagações que permanecem há quase 2.000 dias sem as devidas explicações.

Na semana em que Marielle completaria 44 anos, autoridades anunciaram publicamente que a primeira pergunta —"quem matou?"— havia sido oficialmente respondida, rompendo um longo silêncio a respeito de avanços.

A vereadora Marielle Franco durante sessão na Câmara Municipal do Rio, em abril de 2017 - Renan Olaz-27.abr.2017/Câmara Municipal do Rio de Janeiro

A confirmação do envolvimento de Élcio Queiroz e dos então policiais reformados Edimilson Oliveira da Silva, o Macalé, e Ronnie Lessa, além da revelação sobre a participação do ex-bombeiro Maxwell Corrêa (que já havia sido preso por atrapalhar as investigações), foram qualificadas como uma "mudança de patamar" no caso que, agora, segundo as autoridades, ruma para caminhos que prometem levar até os mandantes e à motivação.

Embora seja um passo adiante, a colaboração entre as polícias Federal, Federal Penal e o Ministério Público do Rio de Janeiro foi capaz de responder a apenas uma —a primeiríssima— das dezenas de perguntas levantadas. Suscita também mais questões, como qual a razão de a PF ter produzido, em menos de um ano, mais resultados do que a Polícia Civil do Rio em quatro? Quem são os responsáveis por isso? Denúncias de interferências indevidas nas investigações permanecem sem os devidos esclarecimentos.

O Estado brasileiro deve proporcionar meios para que vítimas de graves violações de direitos humanos e seus familiares participem ativamente das investigações e sejam informados previamente das movimentações. Foi o que determinou, em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) na condenação do Brasil por chacinas e outros crimes violentos praticados por policiais na favela Nova Brasília, no Rio, em 1994 e 1995. Isso quer dizer que, também no caso Marielle, os familiares têm o direito de, no mínimo, terem informação a respeito de fatos novos antes de eventuais anúncios públicos —direito que foi violado por cinco anos, até a decisão do Superior Tribunal de Justiça, em abril de 2023.

Os assassinatos da vereadora e de seu motorista demonstram ainda que aqueles que têm o dever de controlar o bom funcionamento das polícias têm falhado. E essas falhas têm graves consequências. Entre os executores conhecidos estão dois PMs reformados e um ex-bombeiro. A morte de Marielle e Anderson teve como instrumento uma arma do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope), do Rio de Janeiro. O Estado tem por obrigação exercer o controle participativo da atividade de suas polícias por meio do Ministério Público. A inoperância do órgão resulta na dor das vítimas de forças públicas.

Mesmo a eventual solução do caso não anula os cinco anos de inexplicável morosidade. Existem, com toda a certeza, responsáveis por isso. Quem são? A quem protegem? Por quem são protegidos? Lembremos que, pelo menos, um nome revelado na delação de Élcio Queiroz já havia sido citado no relatório da CPI das Milícias, assessorada por Marielle dez anos antes de seu assassinato. A omissão das autoridades —governador do Rio de Janeiro, secretários, delegados, Ministério Público, deputados— também pode ter custado as vidas de Marielle, Anderson e de outras pessoas.

Os avanços tardiamente apresentados pelas autoridades reiteram a importância da recomendação que apresentamos de se instalar um mecanismo independente para monitorar as investigações, a ser formado por peritos, juristas e especialistas em investigação criminal, todos sem conflito de interesse com o caso. Experiencias bem-sucedidas nesse sentido, no México e em Honduras, fortalecem nossa certeza.

É lamentável que um primeiro passo tenha saído do chão em 2018 e só aterrisse à frente em 2023. Após seis delegados, dezenas de promotores, dois governadores e um interventor federal, entrada da PF no caso em 2019 e reentrada em 2023, cinco anos continua sendo tempo demais.

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