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Rafael Cervone

A insensata troca de progresso por juros

Não podemos preterir desenvolvimento para beneficiar aluguel de dinheiro

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Rafael Cervone

Engenheiro e empresário, é presidente do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)

Os juros elevados têm sido um obstáculo ao fomento da indústria brasileira, contradizendo a lógica mundial referente ao papel do setor no progresso das nações.

Distintos estudos demonstram que somente as economias que promoveram forte desenvolvimento manufatureiro conseguiram crescer de modo sustentado mais de 3% ao ano. Afinal, a atividade é geradora intensiva de empregos, paga os salários médios mais elevados, cria e provê tecnologia e exporta bens de alto valor agregado.

Fachada do Banco Central, em Brasília (DF) - Antonio Molina/Folhapress - Folhapress

Ademais, considerando que a grande maioria dos itens de consumo nasce no chão de fábrica, os ganhos de competitividade em termos de crédito com juros menores e menos impostos proporcionariam oferta maior para o mercado interno, com menor pressão inflacionária. Também haveria mais excedentes exportáveis.

Parte dos ônus que ferem a manufatura está sendo equacionada, com a Reforma Tributária aprovada na Câmara dos Deputados, que reduz a assimetria da taxação, prejudicial ao setor, e com o programa de neoindustrialização do governo, que já soma R$ 106 bilhões, incluindo recursos para produção e inovação. Porém, sem desconsiderar a necessidade da reforma administrativa, mais segurança jurídica e pública e melhor infraestrutura, fatores impactantes do "custo Brasil", é crucial encontrar uma solução urgente para o gargalo dos juros.

Os danos do problema são demonstrados em estudo do Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp: se tivéssemos os mesmos juros reais de África do Sul, Chile, Indonésia e México, países emergentes nos quais as taxas já são bastante altas, o custo de financiamento do capital de giro da indústria brasileira, de R$ 71,5 bilhões em 2022, cairia para R$ 37,6 bilhões. Os R$ 33,9 bilhões de diferença correspondem a quase 98% dos gastos com atividades internas de pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, poderíamos praticamente duplicar o aporte de recursos nessas rubricas se não fôssemos agredidos por um custo de dinheiro que flerta com a agiotagem.

Para pessoas físicas, os juros referentes ao crédito somaram R$ 46,7 bilhões, mas, se tivéssemos a mesma taxa média dos países citados, seriam de R$ 15,6 bilhões —ou R$ 31,1 bilhões a menos. A demanda de consumo resultante dessa diferença geraria 123,5 mil postos de trabalho nas fábricas.

A soma dos valores dos juros pagos a mais pela indústria e as famílias alcançou R$ 65 bilhões em 2022. Para dimensionar o que isso significa em termos práticos, fiz uma comparação interessante, para não dizer assustadora: o montante é equivalente ao Orçamento do governo do Rio Grande do Sul no ano passado, o sexto do país, atrás apenas da União e dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e da prefeitura paulistana.

Esse é o resultado absurdo da Selic média nominal de 12,63% em 2022, mais spread de 3,1% para indústrias de grande porte, 10% para as pequenas e médias e 39,6% para pessoas físicas. É uma distorção prejudicial a investimentos decisivos para a competitividade do Brasil.

Não podemos continuar preterindo desenvolvimento e beneficiando o aluguel de dinheiro.

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