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Inès Abdel Razek

Acordos de Oslo: 30 anos longe da paz

Não é razoável esperar que a Palestina negocie sua liberdade enquanto Israel mantém a colonização

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Inès Abdel Razek

Analista e diretora-executiva do Instituto Palestino para Diplomacia Pública

Há exatamente 30 anos, o mundo inteiro testemunhou o aperto de mão histórico entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, ao lado de Bill Clinton, no gramado da Casa Branca —um momento considerado um dos acontecimentos geopolíticos cruciais do século 20. Eu só tinha cinco anos de idade e me recordo desse momento principalmente através da televisão e, mais tarde, nos livros de história da escola. Pouco depois, a minha família mudou-se para Gaza, para onde Yasser Arafat tinha regressado, e as discussões entre os adultos giravam em torno da perspetiva de construir um aeroporto e desenvolver a indústria turística.

Nós, palestinos com idades entre 30 e 40 anos, somos filhos de negociadores ou dos líderes da primeira Intifada e hoje somos rotulados como a "Geração Oslo" —filhos de um fracasso. Toda a nossa vida foi moldada pelas decisões tomadas em segredo entre a então liderança da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e o governo israelense.

O primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin (esq.), o presidente americano Bill Clinton (centro) e o líder palestino Yasser Arafat durante a assinatura do acordo em Washington - Gary Hershorn - 13.set.1993/Reuters - REUTERS

Três décadas mais tarde, com uma segunda Intifada devastadora pelo meio, continuamos a viver sob o conjunto de regras estabelecidas pelos Acordos de Oslo, inicialmente concebidos como um acordo provisório de cinco anos. Três décadas depois, mais de meio milhão de colonos judeus residem ilegalmente na Cisjordânia; Gaza está sob bloqueio total desde 2007 e uma fragmentação deliberada isola pequenos territórios uns dos outros. Este chamado "processo de paz" concedeu efetivamente a Israel uma carta branca para uma maior expansão colonial, incluindo a apropriação de terras, expulsões forçadas e anexações, impondo um domínio de apartheid racista ao povo palestino.

O processo de Oslo estava inerentemente condenado ao fracasso desde o início. Consolidou a noção de que as negociações bilaterais no âmbito de uma agenda liberal de "construção da paz" eram um caminho político viável, em vez de prosseguir a paz através da descolonização, do fim da ocupação militar e da defesa dos direitos do povo de acordo com o direito internacional.

Em primeiro lugar, as negociações nunca foram conduzidas de boa-fé, e o desequilíbrio de poder favoreceu Israel. O ex-negociador israelense Yossi Beilin admitiu recentemente que o maior erro cometido pelos palestinos foi acreditar no compromisso de Israel com o congelamento da construção dos assentamentos. Yitzhak Rabin, no seu discurso de 1995 ao parlamento israelense em relação aos Acordos de Oslo, indicou que a "solução permanente" envolveria "o estabelecimento de assentamentos na Judeia e Samaria", e a construção de colônias continuou durante os períodos de negociação.

Os negociadores israelenses também evitaram fazer referência ao direito internacional, exceto como "base para futuras negociações", evitando assim qualquer responsabilização ou compromisso firme de pôr fim à ocupação e defender os direitos palestinos. Até hoje Israel não reconheceu o povo palestino como um grupo nacional nem reconheceu o nosso direito à autodeterminação.

Em segundo lugar, os negociadores palestinianos, nessas conversas secretas, estavam mal equipados e mal preparados para garantir que as suas exigências fossem cumpridas. O povo palestino foi excluído das negociações secretas, minando ainda mais a legitimidade dos acordos. A Autoridade Palestiniana (AP), estabelecida ao abrigo dos Acordos de Oslo, foi concebida para desempenhar um papel de contrainsurgência em pacificar e controlar o povo palestino —em vez de agir como entidade soberana, conduzindo-nos à liberdade e à independência.

A OLP trocou a luta de libertação palestina por um autogoverno limitado dentro da nossa pátria, completamente dependente de Israel. A AP serve agora como executora local da nossa própria subjugação, com uma classe dominante a intensificar a repressão contra jovens dissidentes que perderam a confiança na capacidade do sistema governamental para os libertar da opressão.

Em terceiro lugar, qualquer processo mediado pelos Estados Unidos, seguido pelos aliados ocidentais, estava condenado a favorecer os interesses israelenses. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio Nabil Fahmy observou em 2019 que a administração de Clinton "deturpou a distinção entre os interesses e prioridades americanos e israelenses". Os EUA continuam a ser o primeiro patrocinador do exército israelense, fornecendo anualmente US$ 3,8 bilhões em dinheiro dos contribuintes.

Desde 1972, os EUA vetaram mais de 44 resoluções do Conselho de Segurança da ONU que condenavam as ações ilegais israelenses, contribuindo para a cultura de impunidade sob a qual Israel opera atualmente. Apesar do agravamento das injustiças contra o povo palestino, Israel e os EUA promovem a normalização do regime israelense através de arranjos como os Acordos de Abraão e rejeitaram quaisquer planos de paz que estivessem mais próximos do respeito pelo direito internacional e pelos direitos palestinos, como a Iniciativa de Paz Árabe de 2002.

Cada vez que a liderança palestina tem tentado se afastar da farsa das negociações bilaterais, explorando outras vias para defender os seus direitos, tais como as convenções da ONU ou o Tribunal Penal Internacional (TPI), Israel e os seus aliados condenam essas vias como medidas "unilaterais" que "ferem a paz". O povo palestino é injustamente retratados como perpétuo recusador das ofertas de paz, empregando uma tática de culpabilização das vítimas.

Hoje, não só a realidade no terreno, mas também a ordem mundial, está mudando. Países como o Brasil estão a questionar a hegemonia dos EUA na agenda internacional, com a determinação de promover plataformas multilaterais inclusivas que possam proteger as pessoas e o planeta frente a interesses coloniais.

Muitas vezes perguntam-nos se a solução de dois Estados —Palestina e Israel, que compartem a terra que historicamente foi a Palestina— está morta ou se defendemos uma solução de um Estado único. No entanto, isso ignora a questão crucial necessária para avançar. A obsessão na criação de um Estado palestino e a afirmação da solução de dois Estados enfraqueceram a nossa nação, consolidaram os aparelhos burocráticos e de segurança e encobriram os crimes israelenses.

A verdadeira questão deveria ser: Como podemos alcançar uma paz justa e um futuro por todo o território da Palestina histórica, desde o Mar Mediterrâneo até ao rio Jordão? Não é razoável esperar que o povo palestino negocie a sua liberdade e direitos fundamentais enquanto Israel continua a colonização e impõe o apartheid como um fato consumado.

Temos a esperança que os países e os movimentos populares, que estão dispostos a envolver-se construtivamente nos esforços diplomáticos, mudem a sua abordagem e reconheçam a necessidade de uma mudança radical na dinâmica do poder. Primeiro, devem reconhecer a futilidade de um quadro totalmente inadequado de "processo de paz" e, em vez disso, concentrar-se num processo político centrado na aplicação dos direitos humanos. Devem apoiar os esforços palestinos para recuperar a sua representação e sistema políticos, promovendo a construção de consenso em todos os segmentos da sociedade.

Mais importante ainda, esperamos que países como o Brasil atuem para responsabilizar Israel pelos seus crimes, promovendo no marco das Nações Unidas iniciativas concretas para acabar com o apartheid israelense e cessando o comércio, cooperação e alianças amistosas com Israel até que respeite-se o direito internacional e os direitos do povo palestino.

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