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Renato Marques Martins

A coerência mundial sobre a maconha

É possível, sim, descriminalizar porte para uso pessoal e não legalizar a venda

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Renato Marques Martins

Advogado criminalista, é mestre em direito penal com a tese “Modelos de Descriminalização da Maconha: Colorado, Uruguai e Espanha (USP, 2017)

Ao contrário do que têm bradado os arautos da guerra às drogas, inclusive nesta Folha, não há "paradoxo" algum em se descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal e não se legalizar a sua venda ("Um paradoxo brasileiro: consumo legal, oferta ilegal", 20/8, Marcio Sergio Christino). Muita coisa que não é crime ou foi descriminalizada não é "legalizada". O adultério, por exemplo, deixou de ser crime em 2005 e não se tem uma lei regulamentando a pulada de cerca.

Estudo de 2016 apontava que cerca de 30 países já haviam descriminalizado a maconha, mas não legalizaram a sua venda (Alemanha, Argentina, Bélgica, Chile, Colômbia, Itália, Paraguai, Peru, Portugal, entre outros). Isso acontece em razão de convenções da ONU das quais são signatários, que impõem a proibição da venda de drogas e preveem sanções pelo descumprimento. A exceção é o Uruguai, primeiro país a realmente "legalizar" a venda da maconha em 2013 (embora inúmeros estados norte-americanos tenham legalizado a venda da maconha, o país Estados Unidos ainda não o fez). Mesmo a Holanda, na qual se acredita que a venda de maconha sempre foi legalizada, não o é.

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Flores de maconha importadas com autorização da Anvisa - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Lá, o porte de drogas para consumo próprio sempre foi crime, mas o país resolveu tolerar tais práticas com o fim de separar o comércio da maconha do comércio de drogas mais pesadas, evitando a exposição dos jovens à heroína. E a Holanda sempre foi criticada por isso: abrir a porta da frente para a venda da maconha, mas deixar a porta de trás fechada, mantendo o mercado ilegal nas mãos dos traficantes, seus lucros e crimes a ele relacionados. Nisso tem razão o citado autor. O ideal seria retirar do crime organizado esse enorme lucro e minimizar os crimes relacionados ao comércio de entorpecentes.

Existem três modelos de descriminalização em curso no mundo e nenhum deles está infenso a críticas.

No autocultivo, a venda continua proibida e criminalizada, mas os usuários podem plantar até seis pés de maconha, geralmente por meio de cooperativas (Espanha).

No modelo capitalista dos estados norte-americanos, o governo autoriza estabelecimentos a plantar e vender a maconha cobrando altos impostos. Embora gerem altíssimos recursos para os estados, os altíssimos impostos criaram um mercado clandestino, como ocorre com o cigarro contrabandeado no Brasil.

Isso não acontece no Uruguai, cujo modelo monopolista deixa na mão do próprio governo a plantação e comercialização da maconha, que se dá em farmácias. Há, contudo, notícias do surgimento de um mercado cinza no Uruguai destinado ao turismo da droga, o que não ocorreu em Portugal.

De toda forma, são modelos que buscam a diminuição dos lucros das organizações criminosas e crimes correlacionados; a separação do mercado da maconha dos mercados de outras drogas mais pesadas e perigosas; e a redução da desinformação sobre os riscos do consumo, nos moldes da bem-sucedida campanha antitabagista brasileira.

Eis a coerência mundial que parece estar se criando sobre a descriminalização da maconha.

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