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Esqueletos fiscais

Governo acerta ao querer regularizar precatórios, mas não pode usar artifícios

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Pedro Ladeira/Folhapress

Uma despesa vultosa e de crescimento acelerado nos últimos anos tem sido escamoteada desde 2022 pelo governo brasileiro. Trata-se do pagamento de precatórios, para o qual a administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou agora uma proposta tortuosa.

O problema se originou sob Jair Bolsonaro (PL), que, com a anuência do Congresso, escapou de pagar integralmente uma conta de quase R$ 90 bilhões imposta por sentenças judiciais. O calote abriu espaço para mais gastos em ano eleitoral.

Uma emenda à Constituição determinou que apenas parte dos compromissos deve ser honrada a cada ano, e o restante pode ser postergado até 2026. Em 2027, os esqueletos têm de sair do armário —isto é, tudo precisa ser quitado, num montante estimado em torno dos R$ 200 bilhões.

O governo Lula está se antecipando ao problema, o que é positivo. Entretanto a saída imaginada acrescenta mais heterodoxia na gestão das contas do Tesouro Nacional.

Pretende-se que o Supremo Tribunal Federal considere inconstitucional a emenda do calote, o que abriria caminho para o pagamento de atrasados já na casa dos R$ 100 bilhões. Até aí, o plano é correto —encerra a moratória, respeita direitos, registra com mais exatidão a situação fiscal e evita o risco de insolvência logo no início da próxima administração.

Tudo fica mais turvo quando se tenta conciliar a providência com as meta de zerar o déficit orçamentário já no próximo ano, equilibrando receitas e despesas primárias (não financeiras, como pessoal, custeio e investimentos).

É evidente que a quitação dos precatórios atrasados inviabilizaria essa meta já improvável. Mesmo a regularização dos pagamentos anuais forçaria, ao menos num primeiro momento, cortes duros em outros setores da administração.

Nem por isso se justifica a proposta do governo petista de classificar parte dos desembolsos como gastos financeiros, como se fossem originários de uma operação de crédito. Se assim for feito, os esqueletos fiscais se transformarão em fantasmas contábeis.

O país estaria, mais uma vez, recorrendo a artifícios para maquiar balanços, e estaria aberto um precedente para novas alterações nos registros no futuro. Nada disso, ademais, evitaria o crescimento da dívida pública.

É razoável que a regularização dos precatórios atrasados não seja considerada para efeitos de apuração da meta fiscal. Entretanto é preciso buscar meios de incluir os pagamentos regulares nas despesas primárias, sem subterfúgios.

Isso significa que o governo Lula precisa rever sua estratégia insustentável de elevação contínua e generalizada de gastos públicos.

editoriais@grupofolha.com.br

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