E eu não sou uma mulher (negra)?

Novo texto da PEC da Anistia invisibiliza mulheres e homens negros na política

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Paola Ferreira Rosa
Paola Ferreira Rosa

Repórter, escreve sobre raça, gênero e diversidade. Está entre os homenageados do prêmio +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira.

São Paulo

Parlamentares negras têm sido orientadas por seus partidos e por movimentos civis feministas a se calarem diante do novo texto da PEC da Anistia, que promete manter a destinação de verba eleitoral para mulheres, mas reduz o valor destinado à candidatura de políticos pretos e pardos.

O que acontece, porém, é que tanto mulheres quanto homens negros são invisibilizados nessa batalha. Ao silenciarem sua negritude em nome do coro feminino, essas mulheres enfraquecem a já frágil possibilidade de crescimento da representação racial na política.

Integrantes do Movimento Negro fazem protesto na comissão que discute a PEC da Anistia aos partidos políticos na câmara dos deputados. Com cartazes e fitas adesivas cobrindo a boca, eles protestaram ao final da sessão, que foi cancelada por falta de acordo entre os deputados para a votação da matéria
Integrantes do Movimento Negro fazem protesto na comissão que discute a PEC da Anistia aos partidos políticos na câmara dos deputados - Pedro Ladeira - 26.set.23/Folhapress

Pretos e pardos são 56% dos brasileiros, segundo o IBGE, mas representam menos de 15% do primeiro escalão dos governos estaduais, por exemplo.

As mudanças na PEC enfraquecendo as cotas proporcionais à candidatura de negros fazem parte de uma resposta de parlamentares à articulação de movimentos civis –formado majoritariamente por mulheres brancas— que buscavam o crescimento do número de mulheres em cadeiras de vereação e prefeitura.

Elas tentaram articular a reserva de 30% das cadeiras para mulheres já nas Eleições de 2024. A proposta foi incorporada de forma distorcida na PEC da Anistia, mas o grupo considerou o novo texto um ganho, "apesar do retrocesso para a comunidade negra".

Em 1851, a abolucionista afro-americana Sojourner Truth denunciou a incoerente e ilusória tentativa de universalização de experiências femininas a partir da branquitude, durante uma conferência de mulheres em Ohio, nos Estados Unidos.

Ela mostrou que, em nome da sororidade, mulheres negras tinham sua negritude e sua mulheridade duplamente negadas. "E eu não sou uma mulher?", questionou na ocasião.

A frase deu título a um dos livros de bell hooks. No final da década de 1960, ela também percebeu que suas vivências eram apagadas em discussões político-sociais lideradas por mulheres brancas.

Se é baixíssimo o número de mulheres brancas em cargos de poder, é também irrisória a quantidade de mulheres e homens negros nesses espaços. Essa é a hora de pretas e pardas na política se perguntarem: e eu não sou uma mulher negra?

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