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Juliana Silva Corrêa

O papel do Brasil na agenda global da resistência antimicrobiana

País pode assumir protagonismo internacional contra grave risco à saúde humana

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Juliana Silva Corrêa

Pesquisadora de pós-doutorado (Fapesp/CNPQ) em saúde pública na Fundação Getulio Vargas, no Centro de Estudos em Planejamento e Gestão em Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGVSaúde/Eaesp); mestre e doutora em Saúde Pública (Ensp/Fiocruz)

A resistência antimicrobiana (RAM) é considerada atualmente uma das principais ameaças à saúde global e ao desenvolvimento. O termo se refere ao processo pelo qual microrganismos como fungos, bactérias, vírus e parasitas sofrem alterações genéticas e deixam de responder a medicamentos que são utilizados para o tratamento de infecções.

A maior preocupação das autoridades sanitárias tem sido a resistência bacteriana aos antibióticos, que vêm perdendo eficácia em razão da intensificação do uso para consumo humano, animal e na produção agropecuária. Estudos recentes indicam que, em 2019, infecções por bactérias multirresistentes causaram a morte de 1,27 milhão de pessoas no mundo todo e de 33.200 no Brasil.

Paciente com infecção por E.coli internado em Hospital Universitário de Hamburgo, na Alemanha; bactéria é uma das que apresentam resistência a antibióticos, segundo a OMS - Fabian Bimmer - 2.jun.2011/Reuters - Reuters

Embora seja uma questão de saúde pública relevante para o contexto brasileiro, onde o consumo de antibióticos é considerado alto e a emergência de patógenos resistentes vem crescendo, o país ainda enfrenta desafios para tornar o problema visível e inserir o tema de forma sustentável na agenda política de forma a implementar uma estratégia coordenada em nível nacional.

Apesar disso, o Brasil, com um dos maiores sistemas de saúde pública universal do mundo e seu histórico exitoso no combate a doenças infecciosas como HIV/Aids, Zika e hepatites virais, tem um grande potencial de exercer um protagonismo e pautar a agenda da resistência antimicrobiana no âmbito internacional, sobretudo no contexto de liderança do G20 e na Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre resistência antimicrobiana em 2024.

A resposta à RAM exige ações coordenadas no âmbito da saúde humana, animal e ambiental, como ações de prevenção e controle de infecções; regulações sobre o uso, dispensação e descarte de antimicrobianos; investimento na melhoria de capacidades laboratoriais para monitoramento e vigilância; e em pesquisa, desenvolvimento e inovação para produção de novos medicamentos e vacinas e de políticas de garantia do acesso igualitário.

O desinteresse da indústria farmacêutica em produzir novos medicamentos devido ao alto custo de produção e à pouca lucratividade também é um dos desafios. Por isso, em 2015 a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o Plano de Ação Global para o Enfrentamento à Resistência aos Antimicrobianos em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA) e convocou os países-membros a desenvolverem seus planos de ação nacionais.

O Brasil firmou o compromisso internacional e, em dezembro de 2018, lançou o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única (PAN-BR), coordenado pelo Ministério da Saúde em parceria com a Anvisa e o Ministério da Agricultura. No ano seguinte à publicação do plano, o governo Jair Bolsonaro alterou a orientação do Ministério da Saúde, e os comitês criados para tratar o tema da resistência antimicrobiana foram extintos por um decreto presidencial.

Em 2020, a crise provocada pela pandemia de Covid-19 e a desastrosa resposta do governo não só impediram o avanço da agenda como intensificaram os desafios com o aumento do número de internações decorrentes da Covid e, consequentemente, mais infecções e uso de antibióticos. Como resultado, grande parte do PAN-BR não foi implementado como previsto.

Além de impactar na morbimortalidade, a RAM resulta em internações mais longas, na necessidade de medicamentos mais caros e em um custo financeiro maior para as famílias afetadas e para os sistemas de saúde. Estimativas do Banco Mundial indicam que até 2050 a resistência antimicrobiana poderá causar danos econômicos globais equivalentes aos choques sofridos durante a crise financeira de 2008, com uma perda anual do PIB de 3,8%.

Após quase cinco anos do lançamento do plano e no novo contexto político no qual o governo ambiciona recuperar o protagonismo do Brasil no campo da saúde global e regional, resta saber como o Ministério da Saúde vai retomar a liderança dessa agenda no país e se posicionar frente ao tema no debate internacional —que tem sido majoritariamente liderado pelos interesses dos países europeus.

O contexto atual apresenta uma oportunidade para que o Ministério da Saúde possa de fato assumir uma coordenação mais ativa e transversal e liderar o diálogo interministerial, envolvendo os vários atores, dentre os quais Ministério da Agricultura, do Meio Ambiente e Anvisa, conciliando as prioridades e os interesses de saúde pública e econômicos do país.

O Brasil é reconhecido na diplomacia internacional da saúde, e presidir o G20 oferece a possibilidade de o país retomar esse papel e redefinir o que é estratégico e prioritário, propondo soluções mais alinhadas aos contextos dos países do Sul global.

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