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Michel Frudit

Tratamento contra o AVC segue inacessível no SUS

Segura e eficaz, tecnologia já poderia ter sido implementada, mas é vítima da morosidade

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Michel Frudit

Neurorradiologista intervencionista, é chefe do Serviço de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Há enfermidades que carecem de atenção, e o AVC (Acidente Vascular Cerebral) é uma delas. Segunda causa de morte no país, é uma das doenças que mais incapacitam. Cerca de 70% dos indivíduos não retornam ao trabalho em razão de sequelas deixadas por essa doença.

Como sociedade temos muito a desbravar com o intuito de reduzir o número de mortes e taxas de incapacidade dessa doença. Enquanto isso, os óbitos por AVC crescem: em 2020, foram 102.812 mortes; em 2021, 84.426, média de 12 óbitos por hora ou 307 por dia.

Tomografia cerebral mostrando um evento de trombose venosa no cérebro de uma paciente - Marisa Cauduro/ Folhapress - Marisa Cauduro/ Folhapress

Primeiramente, precisamos conscientizar a sociedade para a prevenção. Hipertensão, obesidade, sedentarismo, dieta desequilibrada, colesterol alto e tabagismo são fatores de risco para o desenvolvimento do AVC —por isso, a importância de estimularmos o autocuidado.

Também é fundamental que as pessoas reconheçam os sintomas dessa enfermidade, uma vez que nem sempre o paciente consegue identificá-los. Dentre os sinais, é comum a perda da força muscular, formigamento em uma metade do corpo, assimetria facial (boca torta), dificuldade para a fala e de visão e tontura.

Mas há um crítico impasse desfavorável para 70% dos brasileiros que dependem do Sistema Único de Saúde: um gap em relação à disponibilização de tratamentos na rede pública de saúde contra essa doença. Em 2021, a Conitec, órgão que regulamenta a inclusão de novas tecnologias no SUS, reconheceu a incorporação da trombectomia mecânica (TM) como tratamento seguro, eficaz e custo efetivo contra o Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi). Mas, por uma série de impedimentos, os pacientes ainda esperam para serem beneficiados pela tecnologia. Estima-se que essa demora na publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas pelo Ministério da Saúde tenha deixado de atender mais de 73 mil pacientes.

A trombectomia mecânica é um procedimento minimamente invasivo que pode ser utilizado de maneira isolada ou complementar à trombólise medicamentosa, única opção disponível na rede pública de saúde, nem sempre eficiente em casos mais graves do AVCi. Uma das vantagens da TM é sua maior eficácia no tratamento dos AVCis com oclusão de grandes artérias cerebrais, aqueles que menos respondem ao tratamento trombolítico.

Outra vantagem é que pode ser utilizada até 24 horas após os primeiros sintomas do AVC com sucesso, enquanto os medicamentos trombolíticos têm uma janela restrita de indicação de até 4,5 horas depois das manifestações iniciais da doença.

Os resultados da trombectomia mecânica proporcionam melhor qualidade de vida ao paciente, aumentando a sua capacidade funcional (cognitiva e motora) e dando maior independência no pós-AVC.

No total, 46% dos pacientes que foram submetidos à TM se mostraram independentes após três meses de tratamento, contra apenas 26,5% do grupo que recebeu a trombólise endovenosa.

Hemerson Nogueira faz tratamento para amenizar as sequelas de um AVC no Rio de Janeiro - Ricardo Borges/Folhapress - Folhapress

A incorporação de tratamentos na rede pública é um desafio para qualquer governo, independentemente do cenário econômico, o que explica a morosidade na disponibilização do procedimento no SUS.
Concordamos que seja necessário ampliar a estrutura e treinar equipes nos pelo menos 88 centros especializados no tratamento do AVC habilitados pelo Ministério da Saúde para a prática da TM, mas é possível mudar esse cenário aos poucos, de forma organizada.

Temos pelo menos nove estudos internacionais que chancelaram o uso desse tratamento, sendo um deles brasileiro, o Resilient, cofinanciado pelo próprio Ministério da Saúde, que também atestou a total viabilidade de implementação da técnica.

Neste domingo (29), Dia Mundial do AVC, o alerta é fundamental: não podemos esperar mais tempo, deixando uma parcela significativa da população desatendida.

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