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O que a Folha pensa mudança climática

Quente, fervendo

COP28 começa em descompasso com a urgência para arrefecer aquecimento global

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Queimada em floresta próxima ao Rio Manicoré (Amazônia) - Christian Braga/Greenpeace

No Sul, chuvas torrenciais assolam cidades e lavouras gaúchas. O clima põe em crise a produção agrícola local, que, com a queda concomitante de preços internacionais, tem seu valor de produção encolhido em 2022 e 2023, derrubando o estado da 4ª para a 6ª posição no país.

No Sudeste, a onda de calor submete populações a temperaturas superiores a 40ºC e sensação térmica de 50ºC ou mais, dias a fio. No Centro-Oeste, o Pantanal entra de novo em combustão.

Os rios Solimões e Negro, no Norte, se convertem em bancos de areia, botos morrem às centenas e grassam as queimadas. No Nordeste, a seca castiga sertanejos e metrópoles, pondo em xeque a capacidade de a transposição do rio São Francisco aliviar-lhes o flagelo.

Não faltam notícias da atmosfera em vendaval, no Brasil e no mundo, para impor a mudança climática à pauta política. No cenário global, as expectativas ora se voltam para a COP28, conferência das Nações Unidas sobre clima que começa na quinta-feira (30) em Dubai, nos Emirados Árabes Unido.

O próprio país-sede enfrentou enchente inédita naquela área de deserto. Parte do crédito pelo evento extremo, como no Brasil, cabe ao El Niño, contudo ninguém mais duvida de que a intensidade desses fenômenos esteja a agravar-se por força do aquecimento global.

Permanece, todavia, o descompasso entre o que se faz e o que precisa ser feito para enfrentar o problema. Estreita-se a cada ano a janela de oportunidade para cumprir o objetivo do Acordo de Paris (2015) de manter abaixo de 2ºC o aumento da temperatura média mundial (preferencialmente, em 1,5ºC).

Dá-se como certo que este 2023 será o ano mais quente já registrado, com os termômetros atingindo 1,5ºC acima da média histórica. Para impedir que esse limiar se torne o novo piso de temperatura na Terra, seriam necessárias medidas e políticas heroicas que nem no horizonte estão.

A meta seria cortar emissões de carbono em 40-50% até 2030 e neutralizá-las em 2050. Restam só sete anos para alcançar o primeiro alvo, e a trajetória sugere que será difícil atingi-lo. No ritmo atual, o planeta caminha para galgar 2,5ºC.

Só o esgotamento das jazidas de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) em exploração já ultrapassaria em 40% as emissões compatíveis com Paris, mas empresas seguem buscando novos campos, como a Petrobras na margem equatorial da Amazônia.

A inércia do sistema baseado em energia fóssil parece difícil de superar. Em vista disso, avança a conclusão aritmética de que o limiar de segurança será ultrapassado e se tornará imperativo recorrer a emissões negativas —ou seja, sequestrar carbono da atmosfera para estocá-lo e, assim, não realimentar o efeito estufa.

Ocorre que tal medida, conhecida pela sigla CCS, não está tecnológica e economicamente madura. Estima-se que possa custar até US$ 100 para capturar uma tonelada de carbono, o que levaria a US$ 22 trilhões para abater 0,1ºC do aquecimento projetado, no cálculo do climatologista Zeke Hausfather.

Nenhuma mitigação das mudanças climáticas será factível sem o concurso de China (líder atual em emissões) e Índia (superpopulação e emissões em alta).

As duas nações capitaneiam a demanda para que países ricos paguem mais pela transição energética, mas o financiamento para países emergentes se descarbonizarem nunca alcançou o nível prometido de US$ 100 bilhões anuais.

A perspectiva de que a COP28 se mostre à altura do desafio é mínima. Organizações ambientais pressionam para que a comunidade internacional adote um plano com metas e datas para cessar a extração de combustíveis fósseis, o que decerto não ocorrerá na reunião em um Estado petroleiro como os Emirados Árabes Unidos.

Além disso, o país-sede não prima por dar liberdade à sociedade civil, para dizer o menos. Não haverá surpresa se autoridades locais impuserem restrições às atividades da imprensa estrangeira e de organizações não governamentais ainda mais drásticas que as observadas durante a COP27, no Egito.

Outro fator a erodir a prioridade do clima é a guerra Hamas-Israel, a exemplo do impacto do conflito na Ucrânia sobre os preços do petróleo e a conferência de 2022. Potências bélico-energéticas como EUA, China e Rússia precisam cooperar na seara ambiental, mas a geopolítica as mantém às turras.

Com a obrigação dos 197 países de apresentarem novas e mais ambiciosas metas de descarbonização na COP30 em Belém do Pará, em 2025, a margem de manobra para afastar o pior da mudança climática se afunila. Avanços em Dubai não são impossíveis, mas tão improváveis quanto prementes.

editoriais@grupofolha.com.br

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