Descrição de chapéu
Ricardo Salles

A miragem de carbono

Criar mercado regulado interno agora irá apenas onerar o setor produtivo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ricardo Salles

Deputado federal (PL-SP), foi secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo (2016-17, gestão Alckmin) e ministro do Meio Ambiente (2019-21, governo Bolsonaro)

Desde o Protocolo de Kyoto, em 1997, passando pelo Acordo de Paris, em 2015, até os dias atuais, discute-se as emissões de gases de efeito estufa e seu impacto na questão climática, tendo como pano de fundo o conceito de que todos os países são corresponsáveis nesse esforço, porém cada com a sua diferenciação de papeis e obrigações.

Basicamente, os países ricos, que ficaram ricos à custa da destruição ambiental iniciada desde a Revolução Industrial, sobretudo em virtude da queima de combustíveis fósseis, pretendem agora consertar o estrago por eles mesmo causado, dispondo-se a pagar alguma coisa aos países pobres para que esses os auxiliem nessa tarefa. Ou seja, rachar a conta deles com o mundo todo.

Vista de uma das estruturas já prontas
Projeto Amazon Face busca calcular quanto de carbono a Amazônia consegue absorver - Divulgação - Divulgação

Para tanto, de maneira muito simplificada, estabeleceram a ideia de mecanismo de mercado de carbono, de forma que a ineficiência e incapacidade dos ricos em reduzir sozinhos as suas emissões possa ser parcialmente compensada pelo superávit ambiental dos países em desenvolvimento —muito mais eficientes nesse sentido, porem carentes de recursos financeiros.

Entretanto, essa temática vem sendo incentivada através da disseminação de um sentimento de culpa generalizada, cuja carapuça o Brasil não deve vestir. Explico: do ponto de vista histórico e cumulativo, a responsabilidade é toda deles, pois, quando lá já havia Revolução Industrial e queima de fósseis, o Brasil ainda era um país de atividade agrícola e litorânea.

Por outro lado, se olharmos apenas o presente, também a eles (e à China) é que devem ser imputadas as maiores responsabilidades. Vejamos: a China é a grande vilã, responsável por cerca de 30% de todas as emissões globais. Os Estados Unidos, cerca de 18%. A Europa, em torno de 17%. Índia, 7%. Rússia, 5%. E o Brasil? Pouco mais de 2%.

Em que pese essa disparidade de emissões atuais, o Brasil está sofrendo uma espécie de chantagem emocional. A intenção é nos incutir um sentimento de culpa e nos fazer criar um precoce e inoportuno mercado interno, regulado e obrigatório de carbono, que vai gerar inflação, queda de competitividade, redução do PIB e, em virtude de ser mais um "custo Brasil", tolher o nosso desenvolvimento.

A ideia de exportar créditos de carbono aos ricos é muito boa, mas isso só vai acontecer quando eles regulamentarem o artigo 6.2 do Acordo de Paris, que trata do tema e que dorme em berço esplêndido desde 2015. Com base em tudo o que vimos nos últimos anos, não parece haver nenhuma chance, em curto prazo, desse mercado ser regulamentado mundialmente —e, portanto, de eles serem obrigados a comprar os nossos créditos e cumprir a promessa de US$ 100 bilhões anuais. Uma grande miragem.

Contudo, ao precocemente criar o mercado regulado interno, teremos a ilusão de um mercado que será, na verdade, um mercado de "nós com nós", quando a lógica disso tudo era ser uma pauta de exportação e ingresso de divisas externas.

O sacrifício imposto por um sistema obrigatório "nós com nós" não se justifica em um país que emite apenas pouco mais de 2% das emissões globais, sobretudo se considerarmos que sem a regulamentação do artigo 6.2 de Paris os estrangeiros continuarão desobrigados a comprar os nossos créditos.

Esse mercado só servirá para onerar todo o setor produtivo nacional, que por sua vez será obrigado a repassar esse custo aos consumidores, gerando perda de competitividade, inflação, queda do PIB e muitos outros efeitos nocivos internos.

Importante lembrar que desde 2020, quando simplificamos e liberamos o mercado voluntário de carbono, as empresas nacionais e estrangeiras já podem e tem celebrado muitos contratos e negócios relacionados aos créditos de carbono em bases privadas e voluntárias, não havendo necessidade de mercado regulado para isso.

O tema é complexo, exige estratégia, debate e timing corretos. Não é assunto para ser tratado e aprovado a toque de caixa apenas para poder ter um efeito marqueteiro na próxima COP. O Brasil pagará muito caro se isso ocorrer.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.