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Cecília Asperti, Carolina Cutrupi e Luisa Plastino

Massacre do Carandiru não pode ser esquecido

Não há como enfrentar a violência de Estado sem a preservação da memória

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Cecília Asperti

Professora de direito (FGV Direito SP), é doutora e mestre em direito processual (USP); co-coordenadora do Núcleo de Acesso à Justiça, Processo Civil e Meios de Solução de Conflitos da FGV Direito SP (Najupmesc)

Carolina Cutrupi

Professora de direito (Unifesp), é doutora em administração pública e governo (Eaesp/FGV) e mestre em direito e desenvolvimento (FGV Direito SP)

Luisa Plastino

Doutoranda e mestre em direito e desenvolvimento (FGV Direito SP)

Não é coincidência que o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido, por unanimidade, a caracterização do "estado de coisas inconstitucional" das prisões brasileiras justamente na primeira semana de outubro, quando se rememora o marco dos 31 anos do massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992 na Casa de Detenção de São Paulo.

Marco trágico da história do sistema penitenciário paulista e nacional, e com repercussões globais, o massacre simboliza as violações massivas e persistentes de direitos fundamentais reconhecidas pelo tribunal e motivou inúmeras iniciativas para que os crimes contra os direitos humanos fossem julgados.

Ato em homenagem aos mortos no massacre do Carandiru - Nelson Almeida - 8.abr.2013/AFP - AFP

Mesmo assim, inúmeros obstáculos surgiram para que os fatos fossem apurados, julgados e se fizesse justiça. O estado de São Paulo vem adotando, há mais de 30 anos, uma estratégia de apagamento da memória do morticínio por meio de inúmeras decisões.

A mais recente ocorreu em 6 de outubro, com pouquíssima cobertura da mídia, quando o governo estadual comunicou em suas redes sociais a suspensão por tempo indeterminado das atividades do Memorial Espaço Carandiru, único espaço dedicado à memória dos então moradores do antigo Complexo Penitenciário Flamínio Fávero.

Isso ocorreu um dia após o cancelamento do encontro "Direito à memória e à verdade sobre o massacre na Casa de Detenção de São Paulo", que reuniria vereadores, deputados federais e estaduais e representantes de movimentos sociais para debater o desencarceramento, motivado pelo brutal assassinato de três médicos na orla do Rio de Janeiro.

Esse não foi o primeiro movimento de tentativa de apagar a memória do massacre. Em 2022, quando o caso completou 30 anos, inaugurou-se uma discreta placa em memória às 111 vítimas oficiais. Nela, lê-se a frase: "Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça". Não há, porém, nenhuma menção direta ao trágico evento.

No Parque da Juventude, construído em 2003 sobre as ruínas do complexo penitenciário, onde estão o Espaço Memória Carandiru e o Museu do Sistema Penitenciário Paulista, a única referência ao massacre no museu consiste em uma marcação da linha do tempo da história do Complexo do Carandiru 2, na qual se lê a evasiva descrição no ano de 1992: "Motim no pavilhão 9, com intensa repercussão nacional e internacional".

Em 2022, o STF reconheceu o trânsito em julgado da condenação de 74 policiais envolvidos, em penas que somadas ultrapassam 21.500 anos de condenação. No mesmo ano, a anistia para os policiais foi aprovada pela Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, e o então presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um decreto de indulto que beneficiaria tais policiais, cuja constitucionalidade foi questionada no mesmo tribunal.

É sintomático que, ainda em 2023, o massacre do Carandiru seja marcado pela tentativa de apagamento de sua existência. Não há como enfrentar a violência de Estado e seus desdobramentos sociais sem a adequada preservação da memória e a busca pela verdade. As ações estruturais preconizadas pelo Supremo devem compreender a reconstrução de chacinas e massacres protagonizados por agentes estatais, revertendo a estratégia de apagamento hoje em curso.

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